Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios é o segundo filme do sérvio Emir Kusturica, sua primeira Palma de Ouro. Lançado em 1985, é inusitado como, hoje, o espectador brasileiro parece que irá melhor lembrá-lo como “o filme que supostamente inspirou O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias”,de Cao Hamburger. No entanto, tal aproximação não parece justa, ao menos em uma análise ligeiramente menos superficial.
Sim, como na produção brasileira, temos a premissa de uma família cujo destino fora abalado por uma situação política. Vemos, também, todo esse abuso injustificável de poder sob a ótica de um menino, no caso, Malik, de 6 anos, alheio – como só poderia ser – aos absurdos cometidos no final do governo de Marechal Tito, durante 1950 e 1952, na Iugoslávia.
Não obstante a essas similaridades temáticas, a abordagem de Kusturica não poderia se distanciar mais daquela empregada por Hamburger, e é aqui que uma pergunta se impõe: Qual seria a razão para a pouca atenção que os cinéfilos mais jovens dispensam ao sérvio? O fato é que esta não seria culpa da indisponibilidade de sua curta filmografia, lembrando que A Vida É Um Milagre (2004) chegou a entrar em nosso circuito e de que, aos poucos, a distribuidora Lume vem lançando seus títulos em DVD (Quando Papai Saiu… foi o segundo, após o cartunesco Underground e antes de sua bela estreia, Você Se Lembra de Dolly Bell?, prometida para ainda este mês).
Teria seu estilo episódico e onírico caído em desgosto? A julgarmos pelo recente entusiasmo com que um cineasta como o sueco Roy Andersson fora recebido, com Vocês, os Vivos, poucas edições atrás na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a resposta seria um sonoro “não!”. E é muito mais por esses lados que Kusturica gosta de inserir suas fábulas do que pelos da contenção e minimalismo do bom longa de Hamburger. Bêbados, crianças gordas, velhos rabugentos, discussões ao redor de mesas fartas, festividades e rituais, futebol e sacanagem: eis as cores que o cineasta usa para avivar suas caricaturas históricas e biográficas. A questão, portanto, seria: Teria seu estilo (kusturiciano, evidentemente) o amarrado em artimanhas de ordem “autoral”,tornando-o um acomodado “cineasta internacional”?
Talvez. Mas, aqui, temos um diretor ainda em formação, mais controlado do que em trabalhos posteriores: menos forçosamente excêntrico e, talvez por isso, mais eficaz. Como sugerido em sua apresentação (um subtítulo apropriado) “Um filme histórico sobre amor”, não há definição mais adequada a este adorável relato, com o qual agora podemos nos reencontrar: uma obra simultaneamente nostálgica e crítica, como exemplarmente demonstrado em seu último plano, quando Malik olha para trás (suas reminiscências, as histórias que acabamos de acompanhar) e, ao mesmo tempo, para o espectador (testemunha dos fatos revelados).
De resto, só podemos aguardar por um eventual lançamento de Vida Cigana (tido, por muitos, como sua obra-prima) e, mais improvável (e certamente mais arriscado), de Zavet, sua última comédia, exibida em 2007, em Cannes, ainda inédita por essas bandas. Se a lógica dominar, infelizmente, encontraremos mais razões para a generalizada má vontade com o diretor, e o primeiro só ressaltaria os vícios do último. Esperamos não ser o caso…