As sandálias do pescador e os chinelos do governador

RATINHO JÚNIOR voltou de Roma, onde encontrou o papa e o papi. Aqui chegado, com o Estado na paz dos cemitérios, diz que Curitiba “põe Roma no chinelo”. Não se discuta o conhecimento do governador sobre chinelos. Mas seu conhecimento de Curitiba é nenhum. Ele não andou sob as marquises do centro e viu a quantidade cada vez maior de moradores de rua. Para ele devem ser romeiros qualificados, cruzados a passeio, a babel de línguas que demanda e depósito de ex-votos aos sítios de devoção a Ney Braga, Jaime Lerner, hoje abençoados por suas santidades Rafael/MinhaMargarita.

Ratinho foi a Roma, viu o papa e não percebeu os 3 mil anos de construção de uma civilização. Não desceu ao Foro, ali perto do Coliseu, à esquerda das Termas, para perceber os sedimentos físicos das várias Romas históricas, a atual cinco metros acima da última. O temor ao torcicolo impediu o governador de visitar a Capela Sistina, com a pintura de Michelangelo. (O que não o desabona. Uma vez cruzei na capela com um brasileiro cotado à presidência, hoje cotado à vice. Ele contagiava a todos com seus bocejos, indiferente à arte diante dele. Sim, se Tasso Jereissati, um tucano, podia, um ratinho também pode.)

Visitar a Basílica, isso não, pois aquilo é templo de outra religião e um guarda suíço pode exigir o sinal da cruz. Nosso governador viu as árvores e ignorou a floresta. Roma é história, o berço da civilização ocidental, a cidade sagrada da cultura do Ocidente. E Curitiba, o que representa para o governador? Ele devia ser obrigado a responder, assim, no bate pronto, não no discurso decorado com que derrotou Cida Borghetti. Sejamos indulgentes com o governador. Ele não gosta de cultura, que o diga Mônica Rischbieter, expulsa do Teatro Guaíra, para citar apenas a referência maior.

O governador que vê Curitiba pondo “Roma no chinelo” é aquele que adora viajar a Miami, que está para a cultura como a bactéria para o respectivo caldo; se o pesquisador for inepto, nasce um covid. Nem sobre a política da Roma “pé-de-chinelo” o governador se informou como os papas da Renascença afastavam os adversários-não-adversários-não-inimigos-amigos-daqui-a-pouco. Dói na alma de quem conhece a fera dizer que até Roberto Requião, quando começou a viajar, apreciou a civilização sem compará-la a Curitiba. Dá para entender: Ratinho vê em Greca o Walt Disney da Luz dos Pinhais.

Requião não saía de Paris, questão de gosto. Lá a mulher, que fala francês, obrigava-o a visitar o Jeu de Paume e o Centre Pompidou. Em Paris, Requião curtia vinhos e queijos. De volta, nunca disse que o Vinho do Avô põe um Bordeaux no chinelo; jamais comparou o caciocavallo de São Luís do Purunã com um reblochon de Alta Saboia. O fim da pandemia e os riscos fazem o governador falar. Calado, era um poeta, como Bolsonaro – se não gostar da comparação, que escolha melhor companhia. Pé-de-chinelo é confundir alho com bugalho, Roma e CuritibaParece que Ratinho foi a Roma e confundiu o papa com Roberto Yanés.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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