Claro que não é isso que vemos na tela. O que vemos tem um grau de elaboração e de manipulação igual ao de uma telenovela. E em alguns casos maior, porque nas novelas os atores são precisam ser manipulados, oferecem-se de bom grado (por um bom salário) para decorar e interpretar aquelas cenas, enquanto que num Reality Show os participantes precisam ser induzidos a algo, precisam morder as iscas que a produção lhes oferece o tempo inteiro pra ver no que vai dar.
Outra coisa: dizer que somos “voyeurs” diante de um programa assim é um uso errado desse termo. O voyeur é alguém que quer ver sem ser visto, quer espreitar o comportamento de alguém sem que esse alguém saiba que está sendo espreitado, como naqueles bordéis do século 19 em que cavalheiros ricos pagavam para ficar atrás de espelhos falsos, vendo o que os outros clientes faziam na cama. (Existem, claro, ocasiões específicas em que voyeurs e exibicionistas se relacionam de comum acordo, mas isto é uma variação do fenômeno original.) Portanto, um Reality Show só forneceria o que promete se os participantes não tivessem a menor idéia de que estavam sendo filmados e assistidos. Isto faz do filme “O Show de Truman” de Peter Weir o Reality Show por excelência, mesmo que todos os participantes fossem atores e apenas Truman estivesse pensando que aquilo era “a realidade”.
O grau de espontaneidade nesses “shows de realidade” é zero, tanto assim que a produção precisa criar tensões, competições, ameaças, além de produzir festinhas e embebedar os participantes, para extrair deles algum tipo de comportamento que não seja apenas de caras e bocas, ou o fortão olhando o bíceps no espelho. E na ânsia de fazer os participantes se excederem, é a produção quem se excede, e de repente se vê flagrada numa sinuca qualquer. É um dos raros momentos, no programa, em que algo acontece sem estar totalmente previsto ou totalmente controlado, pela interferência incômoda da realidade – que é a coisa menos bem-vinda num Reality Show, onde tudo se esforça para apenas parecer real.