Não é por ser um esteta da toxicologia que Vladimir Putin manda envenenar rivais, mas por ser o que a ciência política chama de “strongman”, homem-forte. Há várias definições, mas, se é lícito extrair um amálgama delas, podemos dizer que o “strongman” é um dirigente autoritário que governa com o apoio de elites civis e militares e, a fim de manter o poder, frequentemente recorre à violência ou à ameaça de usá-la. Para tornar as ameaças mais críveis, homens-fortes costumam cultivar a reputação de líderes implacáveis, do tipo “macho man”, que não devem ser desafiados.
Nesse contexto, o motim encabeçado por Ievguêni Prigojin, comandante das forças mercenárias Wagner, se torna tóxico para o autocrata russo. Putin não só teve sua autoridade contestada como também se viu obrigado a retroceder, incorrendo em revés reputacional. Logo de cara Prigojin escancarou aquilo que Putin trabalhava para esconder da opinião pública: que a guerra na Ucrânia foi deflagrada sob falso pretexto, que Kiev e a Otan não atacariam a Rússia. A reação inicial de Putin à rebelião foi aparecer em público ameaçando seus líderes com o rigor da lei. Mas, em vez de cumprir a ameaça, negociou com Prigojin, concedendo-lhe exílio e anistiando os paramilitares revoltosos.
E não é só. Se é verdade que os militares russos não aderiram ao motim, também é verdade que não se empenharam em contê-lo. Prigojin tomou Rostov sem disparar um tiro e despachou um comboio que chegou a 200 km de Moscou. Para seguir o roteiro dos homens-fortes, Putin deveria agora promover um amplo expurgo em suas Forças Armadas, mas é complicado fazê-lo em meio à guerra. O moral dos soldados russos já não é dos mais elevados e não é certo se os mercenários do Wagner voltarão a seus postos ou se lutarão com o mesmo empenho.
A ameaça ao poder de Putin parece contida, mas ele mostrou-se mais frágil do que o recomendável para um “strongman”.