Incógnito, pode ele mesmo ser o vampiro que diz “Já faço em Curitiba um Carnaval de sangue/Ai de mim/Quem me acode/O soluço do pobre vampiro quern escuta?” (“Balada do Vampiro de Curitiba”, página 51). Como um espião desvendado poderia entrar na lanchonete do Ton Jon e flagrar a ex-bailarina perguntar: “Sai um pastel, querido? Banana, queijo, palmito” (“Seis haicais”. página 26). De que forma esta espionagem poderia relatar a corrida ao último onibus, à meia-noite, na Praça Tiradentes (“Minha vez, cara”. página 82″) se o espião fosse conhecido no bar da esquina, onde o vampiro toma um discreto cafezinho no canto do balcão, o ponto de observação perfeito?
Dalton Trevisan, o homem sem rosto, não poderia, se tivesse rosto, vasculhar balcões e prateleiras da Livraria Ghignone na santa impunidade que permitiu escrever: “Se Capitu nao traiu Bentinho, Machado de Assis chamou-se José de Alencar” (“Nove haicais”, pagina 89).
João e Maria (da página 7, onde começa o primeiro conto, à página 107, onde termina o ultimo) repetem a guerra conjugal, mas não se sabe se o espiao está invertendo ou não o sabor da bala azedinha: João e Maria se repetem nos contos como se repetem na vida curitibana ou se repetem no refrão de Dalton Trevisan? A repetiçãoo está no espião ou no alvo da espionagem?
Por fim, como um vampiro poderia estacionar em paz diante de uma banca para percorrer a primeira página da “Tribuna” se a cara do vampiro fosse a mesma na página exposta e nos olhares curiosos? João ama Maria, Maria ama João e Dalton Trevisan ama os dois.
*Manoel Carlos Karam, Suplemento Fim de Semana,
O Estado do Paraná, maio, 1988