Revoada das velhas águias

Na Santa Felicidade, e com mais de mil amigos e admiradores no salão, a comemoração dos 70 anos de Jaime Lerner mostrou que o “lernismo” deixou de ser uma força política e permanece como uma força afetiva. Com fogos de artifício e tradicionais discursos, na decoração das mesas se destacavam os arranjos de pimenteiras e espadas de São Jorge, para espantar inveja.

A festa para Jaime Lerner começou a ser organizada em outubro. A primeira reunião foi realizada no restaurante Família Sfiha. Foram convocados em torno de dez amigos e ex-auxiliares de Jaime Lerner e, marcada para as 19h, compareceram apenas três dos convidados. “Melhor – disse o jornalista Jaime Lechiski – vamos saborear estas sfihas de carneiro na Santa Paz de Alá”. Ao que o judeu Gérson Guelman respondeu:
“Então Alá é testemunha: nós três somos a prova de que o lernismo acabou”.

Não acabou. Em Curitiba, a facção política tornou-se uma força afetiva construída pelo gregário ex-prefeito, conforme os
70 depoimentos deixados nas páginas de um jornal especialmente editado para a ocasião, com mais 70 fotos e 70 tópicos da carreira do aniversariante.

Entre os depoimentos de amigos presentes, o publicitário Washington Olivetto explica, mesmo distante, a causa dessa metamorfose do “lernismo”:
“Dos grandes arquitetos do planeta o genial Jaime Lerner é além de tudo aquele que melhor constrói amizades”.

De dentro de casa, Henrique Lerner remonta as origens do espírito de generosidade e, principalmente, tolerância que marca o caráter do filho de um vendedor de gravatas da Rua Barão do Rio Branco:
“Escrever sobre meu irmão agora septuagenário, remonta nossas origens. Sua carreira como urbanista e político, acho desnecessário descrevê-la. Mas o Jaime da Barão, exige uma reflexão sobre nossas raízes. Nessa rua, onde a coexistência entre os vizinhos judeus, árabes, italianos e poloneses era exercida nas lojas. Essa tolerância foi certamente assimilada, e refletiu em seu caráter humanista e solidário. Seu amor ao Brasil, e a Curitiba em particular, era exercido em nossa casa pelos nossos saudosos pais desde criança; porque aqui encontraram um país livre de preconceitos”.

Engenheiros e arquitetos nunca se deram bem, como se sabe. Goteiras à parte, no entanto o engenheiro Nicolau Klüppel é um dos mais antigos amigos do arquiteto Lerner. Criador do Parque Barigüi, o sempre espirituoso Klüpel escreveu:
“Getúlio Vargas disse: saio da vida para entrar na História. O Jaime Lerner fez tanto rebuliço nas cidades do mundo que, com certeza, vai entrar para a Geografia”.

“Esse Lerner sabe das coisas!”

Foi o recado de Oscar Niemeyer, que vai fazer 100 anos no próximo dia 15, sábado.

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Dia desses, Jaime Lerner encontrou no aeroporto um sobrinho de

Zilda Arns.

— Como vai? cumprimentou o septuagenário.

— Sempre lidando com a pastoral da criança, e o senhor?

— Eu, sempre lidando com a pastoral das cidades.

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Colunistas políticos contam que perdigueiros do governo estadual foram despachados do Palácio com a missão de observar a festa de 70 anos. Segundo os sabujos, o encontro de

mil pessoas no restaurante Dom Antônio seria um plano maligno, com ampla cobertura da imprensa canalha, para a retomada do poder.

Não se amofinem, senhores. O aniversário de Jaime Lerner foi apenas uma revoada das velhas águias.

Dante Mendonça [06/12/2007] O Estado do Paraná.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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