Na linguagem, por exemplo, dos documentos oficiais. Veja se lá tem senso um certame de humor produzir uma ata assim, como esta que acabamos de redigir nós da comissão julgadora. “Às quinze horas do dia dezessete de dezembro do ano de mil novecentos e setenta e nove, em uma das salas da Biblioteca Pública do Paraná, situada na rua Cândido Lopes, sem número, nesta capital, reuniu-se a comissão designada pela Secretaria de Estado da Cultura e do Esporte, composta pelos senhores Alberto Frederico Beutenmuller (SP) — publicitário, Desidério Pansera (PR) — publicitário, Eduardo Rocha Virmond (PR) — crítico de arte, Fernando Tavares Sabino (RJ) — escritor, Reynaldo Jardim Silveira (PR) — jornalista, com o objetivo de selecionar e premiar os trabalhos inscritos na promoção “Ler Para Crer” Humor na Biblioteca. Foram inscritos duzentos e trinta e oito trabalhos de oitenta e cinco artistas nacionais. Após prolongada e minuciosa avaliação, a comissão julgadora selecionou quarenta e sete trabalhos. Não obstante a qualidade, muitos desenhos apresentados não puderam ser aceitos por não obedecerem às normas regulamentares e/ou fugirem ao tema da promoção — livro ou biblioteca. Foram distribuídos cem mil cruzeiros em prêmios concedidos pela Biblioteca Pública do Paraná, divididos igualmente entre os seguintes premiados: Luiz Alberto do Vale (PR), Luis Oswaldo Rodrigues (MG), Manoel Ubirajara Menezes da Silva (PR), Edgar Vasques (RS), Celso Silva da Silva (PR), Neltair Rebes de Abreu (RS), Edson Machado (SC), Luiz Cezar Bellenda (PR), Átila Alcides Ramos (SC) e Carlos Hering (SC). Nada mais havendo a tratar a comissão julgadora encerrou os trabalhos às dezoito horas e trinta minutos. E para constar, eu, Maria Tereza Macedo de Novaes, lavrei a presente ata que vai assinada por mim e pelos senhores membros da comissão julgadora”.
Mas é aí que está a graça. A caducidade dessa linguagem oficial e obrigatória encontrada em certidões, editais, contratos, decretos, reflete o arcaísmo das instituições. E como este mundo vai se tornando cada vez mais pândego é fácil compreender o sentido cada vez menos hilariante dos fabricantes de humor. Líricos, dramáticos, envolvendo tudo em uma tragédia imanente, os humoristas abrem seu espaço a golpes de faca nesta selva de gozadores edificada pelo mundo oficial.
1980, um ano de graça. Quem não morrer de rir vai simplesmente morrer sem conseguir pagar as contas. Entre os sobreviventes você encontrará certamente desenhando cartuns em notas promissórias, os curtidores do humor.
Neste livro que reúne os melhores trabalhos da promoção “Ler Para Crer”, criada, no Paraná, pela Biblioteca Pública do Paraná e pela Secretaria de Estado da Cultura e do Esporte, eu disse cultura e esporte — você vai perceber que eu tenho razão. Só os humoristas têm a seriedade necessária para dar uma certa ordem neste mundo que, pela boca de Carter, vai dando sua gargalhada final.
Reynaldo Jardim|1980
Coleção Humor do Pasquim – Vol. II. Editor: Jaguar; capa: desenho de Solda/layout Departamento de arte da Codecri. Humor na Biblioteca, 1980, Secretaria de Estado da Cultura e do Esporte do Paraná.