Saudade não tem idade

© Lucília Guimarães

Reynaldo Jardim, o morubixaba. Trabalhamos juntos em revistas e jornais. No Diário do Paraná, Anexo, — anos 70 — quem viveu realmente a década de 1970 não se lembra de porra nenhuma — eu estava na redação desenhando um Chaplin para ilustrar uma matéria (foi o Jardim ou o Rettamozo quem pediu?) e não conseguia. Alguém me chama, eu levanto e derrubo o vidro de nanquim, que espalha a tinta sobre o papel do Chaplin.

Quando volto à mesa,  percebo que o desenho estava pronto. O acaso, meu melhor parceiro, terminou meu desenho.  Em 1980, fui chamado por ele para ser chargista do Jornal do Estado. E, pasmem, Jardim disse: Solda, você não precisa vir até a redação. Eu mando apanhar a charge e a ilustração para o Espaço Dois (geralmente matéria do Luiz Geraldo Mazza). Sem internet! Lembro perfeitamente do Correio de Notícias — lá eu não trabalhei, apenas ia até o jornal pra ver o Jardim e o que ele andava aprontando. Sempre brilhante, o poeta, jornalista, artista gráfico, antena da raça, inventor do Caderno B (no antigo Jornal do Brasil) da imprensa brasileira.

Esteve em Curitiba em 2008, para o evento 30 anos do ArtShow, organizado por Sergio Moura no TUC – Teatro Universitário de Curitiba, 1978. Foi a última vez que o vi. Parecia um adolescente (aliás, sempre foi). Irrequieto, provocador, sempre brilhante, era o nosso morubixaba. Lucilia Guimarães, estava no evento. E, nesse dia, ele fez um poema dedicado a ela.  Reynaldo Jardim faleceu aos 84 anos de idade, em decorrência de complicações causadas por aneurisma na artéria aorta abdominal. Depois eu conto mais, muito mais. 

Luzcília, mãe de
Santo e filho e
filhas lindas, iluminadas,
iluminantes.
Luzcília, brilho,
estrela lúcida
de água, fogo
sal e doçura,
beligerante, feita
de paz, trilha e
trilho, levando a
alma pra
muito além
do que sabemos.
Lavando a alma
das impurezas
que a vida faz.
Quanta alegria
nessa folia de
Salvamentos.
Quanta euforia,
Fraterno abraço,
terno carinho a
dissolver dor,
aflição dos
pensamentos.
Tanta alegria na
Benção, feita de
afago, mel, sal
de um sol que
fez nascer
funda vontade
de mais viver no
vegetal, terra e
regatos, pedras e
lagos do bem
querer.
Rodopiar tal um
pião, planeta,
gira que gira
na devoção.
Minha maninha,
tão soberana,
mãe e rainha
não só de santo
mas de pecados
e dos pagãos.
De Santo, mãe,
sinto-te filha.
Quisera ser, não
teu padrinho,
nem o teu pai,
mas tua mãe,
A mãe da mãe de
Santo, santa,
Anjo da guarda
e redenção.
A sete chamas,
a sete velas,
a sete chaves,
Oxalá te solta
voando leve,
bem aqui dentro
do coração.

 Reynaldo Jardim, Curitiba,
24 de setembro de 2008

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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