Tento imaginar a reação de Rita Lee se lesse os comentários indignados dos leitores com o título de um texto da Folha que relaciona a cantora a drogas. Houve quem chamasse de desrespeitoso, nojento, vergonhoso, baixaria, inaceitável. Outros atribuíram misoginia, fascismo, insensibilidade ao jornal e à autora. E houve a exigência de que o post fosse apagado e a jornalista, demitida –além de caçada nas redes sociais.
É curioso como o Brasil se une no puritanismo quando menos se espera e como o progressismo se revela tão careta quanto o seu extremo oposto. Fossem os cidadãos de direita, que relacionam o uso de drogas a marginais e vagabundos, seria compreensível que esperassem que parte da biografia da maior estrela do rock ficasse escondida no meio do obituário.
Espanta ver o espírito embolorado de pessoas, em especial as de esquerda, que ora escrevem textão sobre a importância da legalização das drogas e da humanização do usuário, ora consideram afronta o jornalismo abordar de forma natural um assunto que a própria Rita Lee sempre tratou com transparência. Algo que, como ela mesma disse tantas vezes, influenciou o seu trabalho.
Os críticos consideram o comportamento de quem usa drogas “vergonhoso”, “nojento” ou “baixaria”? Se não, por que a menção a isso nas redes deveria ser vista assim? Essa reflexão é não apenas sobre Rita Lee mas também sobre a retórica conservadora de que droga é um mal que deve ser combatido com preconceito e repressão. É sobre o cracudo que vive nas ruas, o viciado em reabilitação, sobre o tráfico que mata pretos e pobres.
Rita Lee foi ser iluminado, mulher à frente de seu tempo, artista excepcional, mãe amorosa, avó dedicada, parceira de vida apaixonada. Nada disso foi abalado por sua relação de décadas com os ilícitos, pelo contrário. O que Rita diria? Este tuíte talvez responda: “Vc nem imagina a imensidão do qto estou pouco me fudendo p o que dizem. A vida é curta e eu sou grossa”.