Tem uma coisa melhor do que o feminismo, é o feminismo exercido na prática, ainda que longe dos manuais e das palavras de ordem. Rita Lee sabe que abriu “estradas, ruas e avenidas” e, hoje, “as garotas desfilam por aí”, mas diz que não tinha distanciamento histórico para se perceber como feminista, libertária, quebradora de tabus. “Eu simplesmente subia no palco, matava o pau e mostrava a xana”, disse numa entrevista em 2017.
Mesmo que se considerasse desconectada socialmente do movimento, imprimiu em suas letras a visão de um mundo no qual as mulheres são protagonistas. Rita é uma dessas mulheres que transformam a sociedade sem colocar rótulos nessas mudanças. Fez rock’n’roll com “ovários e úteros” num universo essencialmente masculino. Vestiu calças, festejou a liberdade sexual, cantou a igualdade de gênero.
Exorcizou o trauma de um estupro porque não gostava de se ver como “vítima”.
Em 2002, escreveu mais um capítulo nessa história ao integrar a primeira formação do programa Saia Justa, no GNT, idealizado pela jornalista Letícia Muhana. Ancorado por Monica Waldvogel, tinha ainda a atriz Marisa Orth e a escritora Fernanda Young, morta em 2019. Foi um marco na televisão brasileira pela irreverência das participantes, mas também pela forma como se revelavam tão humanas ao desnudar a crueza e beleza do universo feminino.
Rita e sua trupe inauguraram publicamente o conceito da sororidade muito antes que se falasse sobre ele, dissecando vivências que são comuns a todas as mulheres, ainda que vividas de formas diversas, mostrando que o feminino se encontra em muitos lugares de dor ou de regozijo.
O direito ao prazer, à igualdade e também ao envelhecimento sem patrulha. Esta última pauta mais uma das bandeiras que Rita Lee levantou mesmo sem querer, ao apontar a chegada da idade como a conquista da sabedoria; ao se colocar ao lado das feiticeiras e combater o preconceito antes que a palavra etarismo entrasse em nosso dicionário do dia a dia.
Dizer que a senhora Lee foi uma mulher à frente de seu tempo pode parecer clichê, mas ela esteve na vanguarda de muitas das concepções sobre o universo da mulher que passaram a ser mais bem entendidas e enfrentadas apenas quando o feminismo nos bateu à porta novamente, já no século 21.
A cantora se consagra como ícone do movimento e terá seu nome lembrado na história de muitas revoluções pelas quais nós, mulheres, passamos. Sim, Rita, você fez muita gente feliz.
Obrigada.