“Não vou jogar dominó com Lula e Temer no xadrez”
A frase de Jair Bolsonaro refugando entendimento com apoiadores dos ex-presidentes na reforma da Previdência é daquelas pelas quais nós escrevinhadores daríamos um dedinho da mão canhestra para ter a autoria. É bonita, tem o toque do absurdo, do irracional. A frase cativa pela singeleza, um naïve de sargento de milícias.
Não é o toque Bolsonaro, é um toque Dada,do Dadaísmo, o movimento artístico pós I Guerra Mundial que puxava para o absurdo, para a desconstrução de ideias e formas. Um exemplo, a obra de Francis Picabia (foto), “Filha nascida sem mãe” na qual nada remotamente evoca uma ou outra. Poré, isso é arte. Bolsonaro é outra coisa.
Jogar dominó com Lula no xadrez. Isso é dadaísmo bolsonárico. Dominó em tabuleiro de xadrez, pensaria qualquer pessoa – digamos, normal – dotada de um mínimo de capacidade racional, não pode, não faz sentido jogar dominó em tabuleiro de xadrez. Além disso, voltemos a Bolsonaro: o que tem o dominó a ver com a votação da Previdência?
Absolutamente nada, a menos que Bolsonaro pensasse na brincadeira de alinhar deputados e senadores e fazê-los derrubar uns aos outros, em cadeia. Nada a ver com a votação. Fosse xadrez, aí sim, o xadrez do jogo, da estratégia. Então Bolsonaro jogaria com os dois campeões. Impossível: Lula é do truco, Temer, do pôquer. Bolsonaro, da peteca.
Ledo e ivo enganos, como dizia Carlos Heitor Cony para honrar Camões e o grande alagoano Ledo Ivo, colega de Academia. Dê-se a Jair Bolsonaro o benefício da dúvida, de que ele joga dominó. No entanto, nada mais remoto a ele que o xadrez, a começar pela disposição das peças no tabuleiro. Que dirá o movimentá-las.
Pelo menos, Bolsonaro está na frase, completo, incapaz de associar ideias, formar raciocínios, uma metáfora bélica, uma sinédoque paisana. Jair Bolsonaro não que tirar Lula do xadrez para medir forças na reforma. A culpa sobra a esta inculta e derradeira flor do Lácio, que permite construções toscas como “jogar dominó com Lula no xadrez”.