Mineiro de Boa Esperança – “aquela cuja serra Lamartine Babo imortalizou numa canção” –, Rubem primeiro quis ser pianista. Estudou música até que comparou o seu talento com o do conterrâneo Nelson Freire. Em seguida, pensou em ser médico, por amor a Albert Schweitzer. Andou pelos caminhos dos deuses: estudou teologia no Seminário Presbiteriano de Campinas, SP; fez mestrado no Union Theological Seminary, de Nova York; doutorou-se em filosofia pelo Princeton Theological Seminary; tornou-se psicanalista pela Associação Brasileira de Psicanálise; e foi pastor protestante. Quando decepcionou-se com os ditames religiosos, decidiu ficar mais modesto e passou a andar na estrada dos heróis: militou na política, esteve na lista dos procurados pelo golpe militar de 1964 e foi professor livre-docente da Unicamp. Quando os seus “deuses e heróis morreram”, como pontuou, seguiu o caminho dos poetas, dos pensadores e das crianças: virou escritor e cronista. Mas foi, sobretudo, a vida toda, um menino e um avô que adorava brincar e compartilhar pensamentos: uma extraordinária figura humana, que amava a beleza, a natureza, as netas, os jardins e os pássaros, a sabedoria das crianças, o vento fresco da tarde, os ipês floridos, o outono, os animais, os campos e os cerrados, o mar e as montanhas, o orvalho sobre a teia de aranha e os pores-do-sol.
As palavras de Rubem Alves continuam sendo lições de vida. Suas crônicas emocionam e fazem-nos pensar. Às vezes, é irônico e bem-humorado; outras vezes, lírico e romântico; e outras mais, crítico e até mordaz. Mas sempre inteligente, humano e sincero. Ao brincar com as palavras, de uma forma suave, simples e, ao mesmo tempo, profunda, renova, a cada escrito, não apenas o confessado amor pela vida, mas a beleza e a importância das pequenas coisas, tão desimportantes para a maioria dos viventes. Com toda a simplicidade, ele é também capaz de construir verdades eternas. Uma delas: “Minas não tem mar. Mas Minas tem céu. E o céu é o mar de Minas”.
Outra: “Viver a vida, aceitando o risco da morte: isso tem o nome de coragem. Coragem não é a ausência de medo. É viver, a despeito do medo.”
Mais uma: “Um único momento de beleza e amor justifica a vida inteira.”
Mais outra: “Deus é amor e, ao contrário do que reza a teologia cristã, ele não tem vinganças a realizar, mesmo que não acreditemos nele.”
Ou então: “Quando o olho do divino e eterno se abre, descobrimos que somos velhos não por causa do tempo que passa, mas porque dentro de nós moram eternidades.”
Por fim: “Aqui se encontra a delicadeza e a fragilidade da democracia: para que ela se realize, é preciso que o povo saiba pensar. Se o povo não souber pensar, votos e eleições não a produzirão. A presença de ratos na vida pública brasileira é evidência de que o nosso povo não sabe pensar, não sabe identificar os ratos… Não sabendo identificar os ratos, o próprio povo, inocentemente, abre os buracos pelos quais eles entrarão.”
Tenho muita saudade de Rubem Alves. Saudade que era definida por ele como “a presença de uma ausência”. Ou como “a dor que se sente quando se percebe a distância que existe entre o sonho e a realidade”. Quando isso acontece, vou ao encontro dele, aos escritos e às lições que deixou, que continuam vivas e agora estão sendo reeditados pela Editora Planeta, sob a supervisão da filha querida de Rubem, Raquel, que também preside o Instituto Rubem Alves.