Tem vez que você — acha — que já investiu muito, emocionalmente, num processo pra poder voltar atrás. Por exemplo, você leva a mão em concha pra caçar a mosca que, pousada na mesa, esfrega as patinhas. Toda sua vida está empenhada num gesto que não significa nada pro equilíbrio funcional do mundo. A mosca, por sua vez, está pensando talvez em o que fará nas férias de verão. Ou esfrega as patinhas de contentamento porque saiu o décimo terceiro. Esses movimentos simultâneos — seus e da mosca — criam em torno uma onda emocional de dez mil watts. Não adianta pensar em ecologia, na família que a mosca tem pra criar, no trauma que se alojará em seu mais profundo ser pela prisão eminente. A mão voa e a mosca tenta voar. O encontro está escrito. E, se você sente que ela está presa, vai — ato contínuo — jogá-la no chão. Pófff! Adeus, mosca!
Tem outro exemplo, mas é menos importante. Você está casado há vinte anos e não vê nada além da porta da rua como saída. Blábláblá! Como eu disse, isso não é tão importante. E esse negócio de dizer que se investe muito, emocionalmente, num processo – sem se poder voltar – é coisa que está fora de moda. A menos que você seja um mosca-morta. (in Teoria e Prática de Pareceres e Objeções, editora Loquacité, Paris)
Rui Werneck de Capistrano é autor de Nem bobo nem nada, romancélere de 150 capítulos, publicado em 2009.