Tentei chegar à iluminação, mas faltou luz na rua. Fiquei debaixo do poste esperando a enchente passar. Enquanto isso, abri o Livro das Glosas Internacionais. Minha sorte estava lançada — às moscas! Então, nada melhor do que tirar alguns preceitos motivacionais para usar como bote salva-vidas, enquanto a Defesa Civil atacava pontos de alagamento. Deixei de lado os últimos desacontecimentos políticos, esportivos e econômicos. Me ative apenas aos aspectos peculiares da criação de galinhas carijós com mantra e incenso. Foi com alívio que extraí ensinamentos pra toda a vida de um protozoário ciliado. Vou usar e recomendo.
- Nunca lavar a cabeça com xampu no dia que faltar água.
- Não tentar cobrir uma rã-pimenta com edredom sem explícito consentimento dela.
- Não comer nada com estômago vazio.
- Jamais gesticular em voz alta com as mã abanando.
- Nunca trocar de roupa na frente de um ursinho de pelúcia.
- Não falar sozinho quando desligar o celular.
- Não comer peixe cru enquanto ele estiver dentro da água, mesmo que ele insista.
- Não tentar se aproximar de um elefante quando ele estiver rezando com a tromba voltada pro sol nascente.
- Jamais chamar o porteiro do edifício se ocaso for de uma cabeça de alface trancada no banheiro e chorando.
- Não piscar durante uma semana cheia de conflitos no ambiente de trabalho.
- Não atravessar a rua se o semáforo estiver com alguma cor suspeita e de óculos escuros.
- Nunca dizer pra um cego qual é seu signo no momento em que ele espirrar.
- Jamais ler um livro se o autor tiver morrido de uma doença rara que nem sequer foi autorizada pelo Ministério da Saúde.
- Não deixar passar nem um minuto a dívida, caso o relógio esteja devendo uma hora pra você.
Não passe adiante, sob pena de multa. Os retardatários serão chicoteados e amarrados com cadarços de alto-coturno. E vice-versa.
*Rui Werneck de Capistrano é autor de Nem bobo nem nada, romancélere, 150 páginas, 2009