Conheci o Prof. Thimpor quando ele era apenas um jovem cientista à procura de Fama e Fortuna — não importava a ordem dos fatores. Um dia a Fortuna chegou, mas encontrou o Prof. Thimpor aos beijos e amassos com a Fama. Desgostosa, ela —a Fortuna — pediu asilo político num banco da Suíça. A época? Foi lá pela década de 1960 dos anos 70. Talvez menos um pouco, se me falha a memória. Ele vinha de Abrolhos e ia à Catalunha. Eu fazia o itinerário contrário, mas não no mesmo dia nem na mesma hora. Nosso encontro, como se vê, foi absolutamente informal e ocasional.
Lembro com clareza estonteante que ele trazia debaixo do braço um livro que iria escrever lá pelo final do século. Perguntei, claro, pelo teor da história e ele me respondeu na bucha: 95 graus. Até hoje não sei se entendeu teor como coisa alcoólica ou apenas fez mais uma piada. O certo é que ri disso, correndo sério risco de ser motivo de riso dos circundantes — todos atores de teatro mudo.
A conversa, dali por diante, pendeu para os lados do humor filosófico e da filosofia humorística. Como nenhum de nós entendia do assunto, o papo durou menos de dois minutos, mas serviu para solidificar nossa amizade. Relembramos a Tomada da Bastilha, a Segunda Guerra Mundial, o atentado fatal às Torres Gêmeas e outras amenidades. O Prof. Thimpor tinha, já naquela época — e deve ter ainda, se já não perdeu nalguma claudicante rodada de pôquer — uma inteligência viva e rápida. Não consegui seguir o trajeto das ideias dele por mais de um quarteirão. Fiquei para trás, entrei num boteco, pedi rolmops, croquete de camarão e uma cerveja. Só fui reencontrá-lo uns cinco anos depois e ele estava bem mais magro e jovem. Apresentei a ele meu Compêndio para entender a conversação dos pássaros em cativeiro e ele se entusiasmou tanto que ficou sem fala por uns três ou quatro anos. Ao voltar a si e a nós, ele disse que eu havia plagiado o livro que ele pretendia escrever dali cinco anos. Ainda estava colhendo material ouvindo canários e curiós. Em seguida ouviria pintagóis e cantores sertanejos do brejo. Não me lembro se fiz ouvidos de mercador ou fiquei surdo pelo tapa que levei no ouvido esquerdo. Sei que tentei argumentar que o tema era bastante comum e passarinhos canoros em cativeiro são de domínio público. O Prof. Thimpor, muito sério, fez questão de amenizar a desavença, sorriu, me deu tapinhas nas costas, chamou seu advogado e a polícia.
Graças a esse incidente, somos amigos até hoje. Envio sempre cartas e mensagens em garrafas para ele daqui da ilha onde fica a prisão. Muito correto e educado, ele responde dizendo que o livro — dele — vendeu horrores nas Bermudas. Já está preparando um segundo volume com Notas e promissórias de um sujeito a chuvas e trovoadas. Depois, pretende lançar Pássaros canoros em situação de risco emocional e financeiro. De minha parte, escrevo sonetos na areia da praia quando me levam para tomar sol. Vou encaixotando a areia com os poemas e pretendo lançar, daqui a dez anos — quando cumprir minha pena — do alto das ex-Torres Gêmeas.
*Rui Werneck de Capistrano é amigo do alheio