O jeito é escutar ‘Chiquita Bacana’ comendo compota de bacuri
Mais um conhecido meu se mudou para Portugal. Nos últimos cinco anos foram dezenas. Ao lhes perguntar por que estavam se mandando, cada um deu uma razão: profissional, econômica, pessoal —um deles queria saber como seria morar na terra de seu bisavô. Por trás das explicações, no entanto, o mesmo desencanto, cansaço, até um certo nojo. Nesses anos todos, o Brasil abusou da nossa fé.
Ir embora significa ficar longe das roubalheiras, da decepção, da crise. O problema é que, ao nos mudarmos para outro país, levamos o Brasil conosco. Ou, pelo menos, levávamos.
Nos anos 70, por todos aqueles motivos, eu próprio caí fora e também para Portugal. Muitos brasileiros que encontrei lá sentiam tremenda falta de feijão, café e guaraná. Outros eram carentes de bombom Sonho de Valsa e sabonete Phebo. Alguns me levavam a um canto e perguntavam se eu trouxera algum exemplar da revista Manchete com a cobertura dos bailes do Carnaval carioca. Na era pré-global, esses artigos não existiam no mercado.
Tom Jobim, que passou 1963 e 1964 em Nova York e Los Angeles, não suportava mais comer batata, até descobrir que, se fizesse amizade com os cozinheiros dos restaurantes, todos porto-riquenhos, eles lhe serviriam por fora o arroz que cozinhavam para eles. Ary Barroso, em 1942, foi convidado a ficar em Hollywood, onde o tinham chamado por causa de “Aquarela do Brasil”. Mas recusou: “Aqui não tem Flamengo”. E o poeta e diplomata Ribeiro Couto, louco de saudades do Brasil, só sossegou em 1949, quando lhe levaram em Belgrado, onde servia, o disco de “Chiquita Bacana”, com Emilinha Borba, e uma compota de bacuri. Ele escutava o disco comendo o doce, tendo espasmos de gozo.
Eu só pensava no sanduíche de salada de ovo do Bob’s. De férias no Rio, fui correndo ao Bob’s, mas ele parara de fabricá-lo. O Brasil é assim. Você lhe dá uma chance e ele te faz uma falseta.