Não se trata de fazer algo pelo país, mas impedir que o presidente faça
“Medo: Trump na Casa Branca”, livro de Bob Woodward sobre o caos da administração de Donald Trump no governo dos EUA, que acaba de sair pela editora Todavia, tem trechos que podem ser lidos como peças de humor. E outros, como peças de terror. É um relato do voluntarismo, despreparo e estroinice do chefe de uma nação, capaz de fazer um grande estrago se o deixarem executar o que lhe vem à cabeça. Por sorte, o governo americano tem tantos canais e escaninhos que muitas de suas decisões podem ser anuladas antes de se tornarem realidade.
A que abre o livro já é histórica. Em 2017, Trump ameaçou pôr em risco a paz mundial ao planejar romper um acordo comercial de mais de 60 anos com a Coreia do Sul. E por que não conseguiu fazer isto? Porque gente de dentro da Casa Branca escondeu o rascunho da carta em que ele desfazia o acordo e “esqueceu-o” numa pasta até que Trump esquecesse efetivamente o assunto —o que afinal aconteceu. “Não se trata de fazer algo pelo país”, disse um assessor, “mas de impedir que ele faça”. Trump tem essa vantagem: como sabe pouco do que fala, muda muito de ideia ou se esquece dela.
Se o Brasil tivesse esses canais e escaninhos, várias tragédias talvez pudessem ter sido evitadas, mesmo no tempo dos militares. O Ato Institucional nº 5, por exemplo. As torturas, as execuções, a bomba no Riocentro. Você dirá que eram atos de uma ditadura, que não precisava dar satisfações a ninguém. Sim, mas mesmo as ditaduras têm correntes internas em conflito —talvez alguém visse a barbaridade daquelas medidas.
Assim como o confisco da poupança por Collor, o mensalão e o petrolão nos governos Lula e Dilma, e até Temer recebendo gente fora da agenda e fora de horas. Ninguém os advertiu de que eram falsas boas ideias?
Agora temos Bolsonaro. Mas imagine se os ocupantes daqueles canais e escaninhos forem seus filhos, ministros e gurus.