Orson, Glauber, Kubrick, Hitchcock, todos sonharam com filmes que nunca puderam fazer
Quando alguém do cinema me diz que desistiu de um filme que estava lutando para rodar, penso no prejuízo potencial para a cultura. E se o filme saísse uma obra-prima? Toda arte leva a frustrações, mas o cinema é cruel. Entre a concepção original de um filme e este na lata, podem-se passar anos –ou o filme nunca chegar à lata.
Não é um problema só nosso, nem de hoje. O russo Eisenstein não pôde filmar “Uma Tragédia Americana”, do livro de Theodore Dreiser, e nunca completou “Que Viva México!” (1931). Orson Welles deixou pela metade “It’s All True”, em 42, e “Dom Quixote”, em 59. Vincente Minnelli nem pôde começar o talvez último grande musical da MGM, “Say It with Music”, em 61 —a MGM acabou antes.
No Brasil, Nelson Pereira dos Santos sonhava fazer de “Rio 40 Graus” (55) e “Rio Zona Norte” (57) uma trilogia com “Rio Zona Sul”, mas este nunca saiu do papel. Glauber Rocha se entendeu com Nelson Rodrigues para filmar uma de suas peças, mas desistiu, pelo inevitável choque autoral —os dois eram gênios (Leon Hirszman, que herdou o projeto, não tinha esse problema). E Carlos Manga, mestre das chanchadas, acalentou uma grande ideia jamais realizada: a vida de Carmen Miranda.
Alain Resnais, recém-saído de “O Ano Passado em Marienbad” (61), queria levar para a tela Mandrake, o Mágico —teria sido sensacional. Já pensou se Stanley Kubrick conseguisse filmar “Napoleão”, pelo qual lutou durante anos? E o gourmet Hitchcock alimentou um dos projetos mais delirantes da história.
Ele queria fazer um filme de suspense sobre a… alimentação. Começaria pela criação, o abate, a colheita e a chegada dos alimentos à feira e sua estocagem num frigorífico. Depois, a etapa da cozinha, a transformação, o preparo. O apogeu, um jantar em black-tie. E então o inglório destino das delícias, nos encanamentos subterrâneos da grande cidade. Hitchcock só não sabia ainda em que momento aconteceria o crime.