Ruy Castro – Folha de São Paulo
RIO DE JANEIRO – Há dias, escrevi aqui que, pelo que vemos e ouvimos na TV, o nível dos nossos senadores e deputados era de amargar. “Muitos mal sabem ler”, arrisquei —e devo ter acertado, porque ninguém se apresentou para defender a si próprio ou aos colegas. E não estava me referindo ao fato de que, ao ler extensos relatórios, suas excelências fazem isso em tom monocórdio, engolindo consoantes e sem tirar os olhos do papel —estes são os doutores entre eles. Referia-me aos que leem mal mesmo, por falta de cartilha na infância.
Por razões profissionais, ando mergulhado no Brasil da República Velha e convivendo com os grandes nomes da política da época. Muitos chegaram até nós como nomes de ruas, hospitais e até presídios, e, quando os ouvimos hoje, temos de fazer um exercício intelectual para nos lembrarmos de que, em seu tempo, eles discursavam na tribuna, tomavam cafezinho, comiam pastéis, andavam de bonde etc. —enfim, existiam como pessoas. Eles nos fazem pensar sobre a constituição dos governos do passado.
A República Velha (1889-1930), com todos os seus fabulosos defeitos, teve como ministros de Estado homens como o Barão do Rio Branco, Quintino Bocaiúva, Rui Barbosa, Joaquim Murtinho, Lauro Muller, Oswaldo Cruz, Afrânio de Melo Franco, apenas entre os mais facilmente reconhecíveis pela posteridade. O próprio primeiro período de Getulio Vargas (1930-1945) podia se gabar de ter Oswaldo Aranha a seu lado. E, em tempos mais recentes, não foi por falta de cabeças que João Goulart (1961-1964) caiu —com ele estiveram Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Hermes Lima, Evandro Lins e Silva, San Tiago Dantas, Walther Moreira Salles.
Por que deixamos a política contemporânea nas mãos de certos fulanos que nunca admitiríamos na nossa sala? Mas o Congresso é a nossa sala.