Ruy Castro – Folha de São Paulo
A tese é recorrente e nunca passa muito tempo sem ser exumada, ter a poeira espanada e voltar à cena como novidade –até ser abandonada de novo por resultados pífios. É a que prega o uso de alguma substância para ajudar a controlar ou vencer o alcoolismo. Nos últimos 50 anos, todas as substâncias, das drogas mais pesadas ao Ovomaltine –ponha aí aversivos, remédios tarja preta, morfina, cocaína e até heroína–, já foram tentadas por pessoas dispostas a parar de beber e, quase sempre, com consequências desastrosas.
Em regra, esses tratamentos resultaram não na interrupção de uma dependência, mas na substituição de uma por outra ou no acréscimo de uma segunda à primeira –a pessoa parou de beber, mas se tornou dependente de remédios, ou então somou as dependências. O contrário também vive sendo tentado, e com os mesmos resultados: pessoas que passaram a beber para deixar de cheirar descobriram encantadas que não havia incompatibilidade entre as duas drogas e se atiraram alegremente a elas.
A tese mais recente, desenvolvida por cientistas paulistanos, consiste no uso do THC, que é o princípio ativo da maconha, para “reduzir ou eliminar o efeito de fissura –a vontade extrema de repetição da dose– causado pelo álcool”. A coisa foi testada em ratos e, segundo eles, deu certo. Tratados com etanol por 11 dias e com THC por quatro, os roedores sossegaram e pararam de correr pra lá e pra cá. Não entendi bem a relação, mas supõe-se que, servidos de THC, os seres humanos também sossegarão e passarão a dispensar uma dose depois da outra.
A tese parte de um ponto coerente. A “fissura” é fisiológica e, se se achar uma substância que a limite, o sujeito beberá menos.
Mas temo que, tratado com THC, o bebum continuará bebendo e apenas parará de correr pra lá e pra cá.