Ruy Castro – Folha de São Paulo
Do jeito com que as coisas se dão atualmente, entre o momento em que esta coluna está sendo escrita e aquele em que ela chega aos seus olhos, algo capaz de desatualizá-la pode ter acontecido. Vide o indescritível presidente americano Donald Trump. Sua capacidade de dizer barbaridades é quase equivalente à sua frequência respiratória —donde como garantir que esta ou aquela terá sido a sua mais recente batatada? E Trump faz isso, dizem os analistas, usando um raciocínio e vocabulário de uma criança de oito anos.
É aí que tenho de discordar —a comparação é não apenas altamente ofensiva às crianças de oito anos como ecoa uma concepção ultrapassada, a de que as crianças não passam de adultos ainda meio idiotas. Ora, oito anos são uma eternidade na vida de uma criança, como sabemos todos que um dia tivemos essa idade. E são bastante conhecidos certos currículos que começaram muito antes disso.
Mozart (1756-1791), por exemplo, começou a estudar música com seu pai aos quatro anos. Aos cinco, já escrevia minuetos; aos seis, era uma sensação ao violino nas cortes da Europa por sua capacidade de ler música à primeira vista; e, aos oito, compôs sua primeira sinfonia —imagine se tivesse começado a estudar mais cedo!
O passado nos fala de fenômenos como o francês Jean-Louis Cardiac (1719-1726), que, aos três meses, já sabia ler em sua língua; aos quatro anos, traduzia hebraico, grego e latim; aos seis, sabia tudo de poesia, matemática, física e astronomia; e, aos sete, morreu de tédio profundo. E isso não é nada diante dos casos de inúmeros garotos de hoje, de dedo no nariz e gênios na informática —é só escrever “crianças-prodígio” no Google e conferir.
Trump terá de comer muito cereal para se comparar a uma criança de oito anos.