Foi bom que alguns não tenham ocorrido a George Orwell
Com ou sem motivo, “1984”, o romance de George Orwell, reapareceu há algumas semanas nas listas brasileiras de livros mais vendidos. Desde seu lançamento em 1949, tornou-se um clássico do antitotalitarismo em geral, embora seu terrível modelo seja a URSS de Josef Stálin. Mas não se devem buscar motivos para reler “1984”. É um livro a se ler sempre, até por pessoas que se julgam libertárias e só têm olhos para o totalitarismo alheio.
“1984” se passa, como se sabe, num país dominado por um regime em que os cidadãos são vigiados por telas onipresentes e regulados por uma voz —a do Grande Irmão— que tudo sabe e controla.
O governo se compõe de ministérios com um funcionamento peculiar. O Ministério da Verdade, por exemplo, rege a informação que convém disseminar. O Ministério da Paz trata da guerra. O da Abundância regula a quanto cada cidadão tem direito. E o do Amor, que mantém a lei e a ordem, funciona num prédio sem janelas, com portas de aço, cheio de ninhos de metralhadoras e cercado por arame farpado.
Ao voltar ao livro há pouco, ocorreu-me que Orwell poderia ter trabalhado melhor essa parte dos ministérios. Por que não, digamos, um Ministério da Mulher que valorizasse o homem, promovendo-o a “protetor, cuidador e provedor”, e desestimulasse a participação da mulher no mercado de trabalho, condenando-a a ficar em casa parindo e amamentando filhos em série? Afinal, não “nasceu para ser mãe”?
Ou um Ministério das Relações Exteriores que, em vez de estender o máximo de pontes diplomáticas e comerciais, comprasse brigas com chineses e árabes, os dois pilares da economia mundial. Ou um Ministério do Meio Ambiente programado para impedir que essa história de clima e ecologia atrapalhe o agronegócio. E um dos Direitos Humanos que…
Pensando bem, foi bom não terem ocorrido a Orwell. Poderiam ser adotados por algum governo.