Livros, um dia, jovens

Para onde foram os milhares de leitores brasileiros?

Por causa de um livro em que estou trabalhando, a sair no fim do ano, sobre o Rio dos anos 1920, tenho manuseado muito material daquela época —romances de Theo-Filho, poemas de Gilka Machado, crítica de Agrippino Grieco. São edições originais, desaparecidas há décadas, e que só estou encontrando em sebos e leilões. Os exemplares me chegam machucados, com todas as marcas do tempo. Alguns, nitidamente, foram pasto de insetos —como se a vida contida em suas frases continuasse de outra forma, à custa do sacrifício do próprio papel em que elas foram impressas.

Quando abro um deles, tomando cuidado porque as páginas, ao menor movimento, podem se soltar, penso nos leitores que me antecederam —os que leram aquele livro antes de mim. Quantos não o tiveram em mãos e se emocionaram com ele? Talvez tenha atravessado gerações. Era, então, um livro jovem, com a encadernação firme, o papel, vivo, e as colas e costuras, frescas. Mas, depois de algum tempo e por qualquer motivo, foi esquecido num baú de quarto dos fundos. Não ficarei surpreso se, num romance da escritora Chrysanthème, achar a impressão de uma lágrima feminina —de uma leitora revoltada com os suplícios causados às mulheres pelos homens que ela descrevia.

Alguns desses livros trazem estampado na capa o número de edições ou de exemplares vendidos. A conta se fazia em milheiros: “40º milheiro”, “60º milheiro” —esses eram os números relativos aos romances de Benjamim Costallat. O Brasil tinha então 80% de analfabetos, o que torna tais números ainda mais impressionantes.

Para onde foram esses milhares de leitores, a ponto de tais autores terem chegado mortos aos nossos dias? As explicações podem ser muitas, inclusive uma renitente e injusta propaganda negativa.

Mas, ao serem novamente abertos e lidos, esses livros voltam a respirar e a querer seus leitores de volta.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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