A ABL nunca mais será a mesma
Dias atrás, quando seguia um bloco de Carnaval no Centro do Rio, lembrei do nosso primeiro e, até então, único encontro. Era também uma daquelas tardes tão quentes em que o calor deixa o ar embaçado. Entrei na rua do Ouvidor, seguindo a música, e procurei o bar onde naquele encontro dividimos uma mesinha apertada, com a Heloísa e o Marechal.
Tudo fechado, inclusive a livraria Folha Seca, onde estivemos e eu aproveitei para comprar um livro seu que eu ainda não tinha. Na certa, aproveitava a folia para descansar enquanto a festa deste ano fazia história. Este oásis de resistência do conhecimento há de um dia receber o livro que contará como o Carnaval de 2023 foi excepcional.
Parece que nossos encontros serão marcados por samba, suor e, no meu caso, cerveja. No dia de sua posse, a temperatura na cidade estava num nível ao qual me refiro como “quente de suar na bunda”. Pensei se deveria usar uma expressão que combina mais com o botequim no qual estivemos juntos do que para descrever uma cerimônia na Academia Brasileira de Letras, mas deixarei as formalidades para você que virou oficialmente “imortal”. Na minha estante, no jornal em papel, na home da Folha, no meu coração, este é o lugar que você ocupa desde sempre.
Cinco anos depois ainda não consigo fingir naturalidade em ser sua vizinha de coluna e me dedico a pequenos gestos tal qual a fã que jamais deixarei de ser. No meu e-mail, tenho uma pasta com o seu nome para as mensagens que chegam. Ainda me assusto quando leio o remetente, o que pode levar dias porque, como você mesmo já reclamou numa entrevista, as pessoas não checam mais as suas caixas eletrônicas. A minha é uma profusão de spam que mistura ofertas das Casas Bahia, do Zona Sul, da Electrolux, da Wine e, no meio desse mafuá, a sorte com uma mensagem sua.
Reli algumas delas, bem verdade não são tantas assim, mas o suficiente para eu poder me gabar. Devo me lembrar de recorrer a esses arquivos naqueles dias em que cometo a audácia de escrever algo com o qual os leitores não concordam e eles acabam sendo muito menos generosos do que você sempre é. Confesso que já pensei em imprimir algum desses e-mails e mandar com um não tão menos generoso “chupa” como resposta para um desses desafetos. Achei melhor não.
Você estava radiante na posse. Foi bonito ver Nelson Rodrigues, Carmem Miranda, Garrincha ocuparem aquele espaço levados por suas mãos. Mesmo metido naquele fardão, havia em você o mesmo Ruy de uma tarde de samba na rua do Ouvidor. A ABL nunca mais será a mesma. Ainda bem.