A campanha de Jair Bolsonaro apresentou à Justiça Eleitoral uma peça de ficção ao declarar que gastou apenas R$ 30 mil na organização dos megacomícios eleitorais de 7 de setembro, em Brasília e no Rio. Com isso, chamou os eleitores brasileiros de otários. E, se acreditarmos nisso bovinamente, talvez sejamos isso mesmo.
Reportagem de Ranier Bragon, da Folha de S.Paulo, escarafunchou a prestação de contas parcial entregue à Justiça Eleitoral e verificou que os únicos gastos foram de captação de imagens e locação de grades.
E os trios elétricos, carros de som, bandeirinhas? Se foram bancados por ricos empresários, endinheirados ruralistas e desprendidos apoiadores do presidente, precisam estar declarados como doação, o que – até o momento – não foi o caso.
Enquanto as receitas de uma campanha são lançadas por regime contábil de caixa (pingou o cascalho, você registra), as despesas são por regime de competência (quando você assume a obrigação jurídica da despesa, já deve colocar integralmente na prestação de contas). Um contrato de R$ 1 milhão com um marqueteiro, por exemplo, é lançado na despesa mesmo que o pagamento seja realizado só ao final da eleição.
Traduzindo do grego: esses serviços no 7 de setembro já foram disponibilizados, portanto já deveriam estar na prestação de contas.
Bolsonaro, até agora, declarou receita de R$ 27,5 milhões, sendo R$ 13,5 milhões do fundo partidário e R$ 2 milhões do fundo eleitoral, além de doadores privados. Para efeito de comparação, Lula declarou ter arrecadado R$ 89,7 milhões.
Humildade do presidente? Provavelmente, não.
Ele pode estar optando por não usar o Fundo Eleitoral, reservando os recursos para outras candidaturas dos partidos que fazem parte de sua coligação, mas usando doações (ainda) não contabilizadas e a própria estrutura do Estado brasileiro.
Um exemplo: nós, os contribuintes, bancamos indiretamente os megacomícios porque a campanha de Bolsonaro sequestrou os atos cívicos que comemoraram o Bicentenário da Independência.
O desfile de blindados, tropas, aviões e navios, em Brasília e no Rio, ajudou a bombar o chamamento para a data, que acabou se tornando um ato de apoio a Jair. A máquina pública, ou seja, todos nós, bancamos, com os impostos, as duas micaretas eleitorais.
Um governante que busca a reeleição acaba, não raro, se utilizando da máquina pública para fazer campanha, por mais que a lei obrigue a separação. E isso não se resume à organização de eventos públicos, mas também a transporte – como pegar um carona em um avião da FAB para uma reunião de trabalho sem importância e, “coincidentemente”, participar à noite de um comício no local.
Por enquanto, temos um presidente que não conta a origem de todas receitas que teve (o que, se não corrigido, pode acabar configurando caixa 2) e que usa o nosso fundão, a grana do povo brasileiro, para além daquela autorizada pela Justiça Eleitoral, para ganhar a eleição através de concorrência desleal.