No meu tempo de jovem, havia uma revistinha chamada “Seleções do Reader’s Digest”, versão nacional da publicação norte-americana tida como a mais lida do mundo (acho que ainda existe, através de assinatura). Nela havia uma seção denominada “O Meu Tipo Favorito”, onde as pessoas traçavam o perfil de quem mais admiravam.
Se me coubesse participar daquelas páginas, confesso que teria dificuldade de eleger “o meu tipo favorito”. Não pela ausência de favorito, mas, ao contrário, pelo excesso.
Assim de pronto, posso indicar pelo menos três: Érico Veríssimo, Rubem Alves e Mauro Nóbrega Pereira.
Do primeiro, falei-lhes na coluna passada. Além de escritor, um dos maiores de todos os tempos, Érico era, como lhes disse no texto anterior, um humanista. Repito parte do escrito: o bom gaúcho de Cruz Alta, “jamais transformou seus romances em panfletos políticos, mas poucos intelectuais foram capazes, como ele, de se manifestar publicamente, com tanta firmeza e intransigência, contra os desmandos dos poderosos. A supressão das liberdades, a institucionalização da mentira e da violência política e a repressão aos dissidentes sempre lhe causaram repugnância. Aliás, em vida, confessava ter apenas um medo: o de perder a capacidade de indignação e cair na aceitação, que julgava perniciosa para a vida em sociedade.”
Toda a obra de Veríssimo é magnífica, mas sugiro ao leitor ler, se ainda não o fez, “O Tempo e o Vento”, claro, “Incidente em Antares” e a autobiografia “Solo de Clarineta”.
Rubem Alves, mineiro de Boa Esperança, foi educador, escritor, teólogo, filósofo, poeta e, sobretudo, encantador de pessoas. Primeiro, quis ser pianista, estudou música, mas desistiu quando se comparou com o conterrâneo Nelson Freire. Depois, pensou ser médico, por amor a Albert Schweitzer. Andou pelos caminhos dos deuses: estudou teologia no Seminário Presbiteriano de Campinas, SP. Com mestrado no Union Theological Seminary, de Nova York, e doutorado em filosofia pelo Princeton Theological Seminary, tornou-se pastor protestante. Quando decepcionou-se com os ditames religiosos, decidiu ficar mais modesto e passou a andar na estrada dos heróis: militou na política, esteve na lista dos procurados pelo golpe militar de 1964 e foi professor livre-docente da Unicamp. Quando os seus “deuses e heróis morreram”, como pontuou, seguiu o caminho dos poetas, dos pensadores e das crianças: virou escritor e cronista. Mas foi, sobretudo, a vida toda, um menino e um avô que adorava brincar e compartilhar pensamentos: uma extraordinária figura humana, que amava a beleza, a natureza, as netas, os jardins e os pássaros, a sabedoria das crianças, o vento fresco da tarde, os ipês floridos, o outono, os animais, os campos e os cerrados, o mar e as montanhas, o orvalho sobre a teia de aranha e os pores-do-sol.
Já Mauro Nóbrega Pereira, catarinense de São Francisco do Sul, filho de humildes pescadores, recebeu na infância a missão de se tornar o primeiro doutor da família. Não decepcionou. Depois de completar o ginásio em Mafra, SC, desembarcou em Curitiba para fazer o clássico e ingressar na universidade. Foi morar numa pensão, modesta como ele sempre foi e seria a vida toda. Mas tinha um sonho ambicioso: ser advogado. Pela Faculdade de Direito da UFPR. Realizou-o em 1955. E construiu uma carreira brilhante. Foi um profissional à moda antiga, daqueles que levavam a sério a profissão. Cada causa era estudada à exaustão. Só depois compunha, ele próprio, a petição e o arrazoado em uma velha máquina de escrever Olivetti Lettera, que o acompanharia até o fim. A diligente secretária Roseli transferia o texto para o computador. Aí, o dr. Mauro se dedicava ao exercício de corrigi-lo e aperfeiçoá-lo, até atingir a redação final que o satisfazia.
Mas Mauro Nóbrega Pereira não foi apenas um dedicado e competente advogado, que abominava qualquer tipo de chicana, exasperava-se com a morosidade e a incompetência do Judiciário e cultuava a ousadia dos decentes. Como ser humano, era igualmente admirável e uma referência para colegas, familiares e amigos. Nunca teve grandes ambições, mas foi uma pessoa de princípios bem definidos, incapaz de transigir um milímetro sequer em coisas fundamentais, como a honra e a dignidade. Vícios? Tinha bem poucos. Além do Paraná Clube (cultuado desde os tempos de Ferroviário), o cachimbo, um final de semana na pequena fazenda que mantinha nos arredores de São Bento do Sul (SC) e as pescarias com os amigos nos rios do Mato Grosso do Sul.
E então, prezado leitor, no quesito tipo favorito, estou ou não bem servido?