Distraído, venceu. Ou, entre isto e aquilo, foi vencido – virou acadêmico. De personagem de monografias universitárias, tornou-se calouro e depois veterano. Sem o menor preconceito de cor, “pinta” na faculdade e “borda” na feirinha de artesanato de Curitiba. Hélio Leites é o artista em questão. Mas nem se queira enquadrá-lo.
Colecionador de botões, é co-fundador do Museu Casa do Botão e da Assintão – Associação Internacional dos Coleccionadores de Botão, em 1984. Nenhum deles tem sede. Exceto o acervo dos botões, pregados em capas à maneira dos parangolés de Oiticica. São os parangoélios. Os botões ganham distinção também na Ex-cola de Samba Unidos do Botão, que Hélio Leites coloca na rua, no carnaval curitibano, desde 1990. A escola de samba é formada por um cortejo de miniaturas de carros alegóricos, ardilosamente feitos de sucata. Diante do clima da cidade, seu lema é bem-humorado: “Faça chuva faça sol, nossa ex-cola só vai para a avenida de cachecol”.
Signatário-mor do Movimento Histerilista, se preocupa entre outras coisas em divulgar a história do confete e a atribuir ao Brasil a invenção do garfo. Inventivo, em 1990, fez de uma casca espinhosa um insólito pente costal, apropriado para despertar a graça que se esconde na coluna cervical, imediatamente encomendado por Guto Lacaz.
Assobiador, criou o Fiu-Fiuu Sport Club, em 1990, participando de campeonatos mundo a fora. Desde então, Hélio cataloga assobios num tosco gravador, acervo de uma futura Assobioteca. E lançou desafio aos arquitetos de Curitiba: projetar um assobiódromo.
Dramaturgo, encena peças usando o próprio corpo, mais precisamente a cabeça: o cabelo se espicha, ganhando vida. E o boné é o cenário desse mambembe Teatro Minimalista. Num parangoélio, dezenas de caixinhas de fósforo estão pregada e cada uma dela tem uma peça esperando para ser encenada. Já num teatro “de verdade”, o Teatro Universitário de Curitiba-TUC, criou a Lilituc, uma vitrine expositiva de miniaturistas, que atrai atenções de quem passa pela galeria desde 1990. Uma das mostras é a de minipresépios.
Mambembe por natureza, Hélio anda com seu teatro, seu museu, suas miniaturas pelo mundo. Nas escolas, tem ido para dar asas à imaginação das crianças e as faz colocar os pés no chão através de um manifesto do futuro. Ou seja, uma folha de papel, na qual as crianças escrevem e assinam o que desejam ser.
Diplomado: entrou para Belas, ou seja, para a Faculdade de Belas Artes e Música do Paraná, no vestibular de 2006. Mas já era artista premiado em salões desde 1975. Afirma “sou ruim de desenho. Não sei pintar modelo vivo nem modelo morto”. Deixa a Belas em 2010 “sem saber desenhar, em compensação aprendi a ser mais crítico”.
Pregador de Botão da Igreja da Salvação pela Graça, cujo lema é Deus eh Umor (sem H pois vem de Deus é Amor, slogan pentecostal ), faz performático culto anual, onde o vinho é tomado em conta gotas e no altar iluminam-se velas votivas em neon, ligadas a algum satélite.
Com ele, se vai à estratosfera. Pois, com ele, “tudo o que vemos é outra coisa”, né, Fernando Pessoa? Então, vamos ao começo.
Hélio Leite nasceu de Maria Emília (lapeana) e Francisco Leite (natural de Antonina), em 1951, na cidade de Se não for arte, há de ser…, às 4h30. Era 21 de janeiro. O casal (ele, motorista de caminhão e comerciante) estava já com dois filhos quando foram morar na Lapa, onde nasceram mais três irmãos de Hélio. Apaixonado pela cidade legendária, tem ela como seu berço em todas as biografias. Já bancário, formado em Economia pela faculdade de Apucarana, foi trabalhar em Campinas-SP, depois Rio de Janeiro, depois Ubatuba-SP, depois São Paulo.
Voltou de lá em 1986 chamando-se Hélio Lete e já intrigando Curitiba com suas atitudes performáticas. Ao descobrir que Lete designa um dos sete rios do inferno, o do esquecimento, voltou ao Leite. Um dia da década de 90 fez cabala, e como convém a alguém tão múltiplo passou o sobrenome para o plural.
Bancário por 25 anos, quando deu nele o estalo de Vieira? Foi pelas mãos sujas de barro da professorinha Latif Salim ou pela poesia de Aristides Klaft? Ou pelo humor do publicitário mineiro-campineiro Humberto d’Almeida? Vai se saber!
A data mais remota está registrada numa colagem de 1974, quando assinava, pasmem, Hélio Leyte. Como artesão, assina H.L. e sentou praça em 1986. Na praça, ou melhor, na Feira de Arte e Artesanato do Largo da Ordem, ele conta história para cada miniatura à base de palitos de picolé, caixas de fósforos, latas e demais sucatas. Cada miniatura ganha movimento criterioso, na medida que o artista desenvolve o drama ou comédia. Além de, com ou sem ironia, dar novos significados a todo ser significante ou não, uma constatação ao final: toda a arte de Hélio tem enredo e se move.
Adélia Maria Lopes
Elaboração do projeto: Mônica Drummond|Realização: Hélio Leites|Pesquisa e fotos: Katia Horn|Tratamento de imagens: Alessandro Horn|Apresentação: Adélia Lopes|Revisão: Silvana Seffrin|Projeto gráfico e produção: Adriana Alegria| Impressão: Máxigráfica|2010
2 respostas a Se não for arte, há de ser…