Sebastião Salgado e a tragédia ambiental de Minas Gerais

Logo que ocorreu o rompimento das barragens da Samarco, em Minas Gerais, apareceu nessa história uma figura que me deixou intrigado pela rapidez de seu surgimento e pela forma que se colocou no assunto. Esta figura que surgiu de pronto é o conhecido fotógrafo Sebastião Salgado, de quem tivemos notícia neste caso em uma visita sua ao Palácio do Planalto, onde foi recebido pela presidente Dilma Rousseff. Foi uma estranha aparição para um homem que fez fama como alguém presente a acontecimentos onde captou a dor humana, em imagens que o tornaram conhecido no mundo inteiro. Com o histórico que tem, sua presença faria mais sentido às margens do Rio Doce, talvez até documentando o assustador estrago produzido pela Samarco, quem tem como maior acionista a mineradora Vale, antiga “Vale do Rio Doce”, que acabou dando uma razão prática ao marketing que eliminou o nome do rio de sua marca publicitária.

Sebastião Salgado poderia colocar os pés nas margens do Rio Doce e dali talvez dar uma ressonância aos gritos desesperados dos que vivem em torno daquelas águas envenenadas. Seria interessante inclusive ver o que ele com seu retumbante estilo poderia extrair plasticamente daquela situação terrível, neste desastre ambiental que parece ser o maior já ocorrido no país. Mas não foi isso que ele fez. De imediato, o fotógrafo foi ao encontro de Dilma e no gabinete dela apresentou um plano de recuperacão do Rio Doce. O desastre não tinha ainda uma semana. Ele já disse que Dilma “achou a ideia fantástica”, mas o que pensei de imediato é sobre a opinião das pessoas que vivem às margens do Rio Doce. E como já falei, nem que fosse apenas pela cortesia a primeira visita tinha que ser feita naqueles cantos e não no centro do poder federal, no gabinete de quem jamais cumpriu com responsabilidades que evitariam com certeza o desastre ambiental. Mas nenhuma crítica veio até agora do fotógrafo. Salgado transborda otimismo. Depois do encontro com Dilma ele afirmou que espera que se constitua um “megafundo” que junte a Samarco, a BHP e a Vale no plano para recuperar todas as nascentes do Vale do Rio Doce.

Sei que Salgado é proprietário de uma grande extensão de terras na região, onde ele tem feito um trabalho de reflorestamento e recuperação ambiental. É provável que ele já estivesse desenvolvendo um projeto, apesar de que até agora nada disso havia sido contado para ninguém. No entanto, acho que não pode haver dúvida de que as condições do ambiente mudaram bastante depois da região ser tomada por lama tóxica, não é mesmo? Não se sabe ainda com exatidão nem da extensão do estrago causado pela Samarco, BHP e Vale. E como homem de esquerda, creio que Salgado teria de concordar que mudou bastante também a situação política.

O fotógrafo que me desculpe, mas parece coisa preparada. Num momento que exige uma rigorosa discussão crítica ele aparece com a solução pronta e de uma forma que ameniza o debate público necessário não só para a recuperação do rio como também a mudança das condições políticas que vêm impondo durante décadas o domínio de uma grande empresa sobre o destino das vidas humanas e o ambiente de uma extensa região. Não é de hoje que a Vale causa danos ao Rio Doce e tudo que o cerca. Num país em que a economia não leva em conta a vida das pessoas, a Vale e outras grandes corporações sempre reinaram. Desde que entrou nesta história, junto a Dilma no Palácio do Planalto, o aclamado fotógrafo vem colocando panos quentes na discussão. Nem tocou em políticas públicas, tão ausentes nesta área em que até a sobrevivências de populações indígenas está em risco. Não teve uma palavra de crítica aos responsáveis pelo desastre, o que pode até parecer estranho demais em razão da fama de combatividade que embala seu respeito como profissional. Vou ser franco: até aqui seu comportamento não difere do que faria um relações públicas da Samarco, da BHP e da Vale. Nunca gostei da figura política de Salgado, com suas relações estreitas com o ex-presidente Lula e a falta total de crítica ao descalabro moral e político que vem acabando com o nosso país, de graves consequências inclusive no respeito ao meio ambiente. Lula é um político e governante que fez até questão de mostrar em falas públicas seu desprezo pela defesa do meio ambiente. Dilma segue o mesmo padrão. Neste ciclo de governos que tem ele como líder máximo houve um desmonte imenso de leis e regras ambientais, que mesmo já sendo anteriormente ineficazes ele e seu partido conseguiram piorar.

Porém, o Lula é um ídolo para o fotógrafo. Em abril de 2013, Salgado inaugurou em Londres uma grande exposição, resultado de um projeto que permitiu que ele visitasse 32 regiões da Antártida ao Ártico, entre 2004 e 2012. Imaginem o custo disso. O release conta que as mais de 250 fotos reunidas na mostra “retratam as partes mais puras do planeta e modos de vida tradicionais, destacando a relação harmônica do homem com a natureza”. A exposição “Genêsis” teve sua premiére mundial no Museu de História Natural de Londres. Convidado por Salgado, o ex-presidente Lula fez a abertura da exposicão, em 2013, com um discurso humano e ecológico bastante inspirado. Não foi de improviso, é claro. Leu tudo atentamente. Dizem que uma imagem vale por mil palavras, pois essa do Lula na exposição de Salgado também deve valer bastante. Outro fato importante é que o patrocinador desse projeto carissimo do fotógrafo foi a mineradora Vale. Mas tem mais um fato interessante, que descobri indo atrás de mais informacões depois de sua visita a Dilma por causa do rompimento das barragens em Minas Gerais. O Instituto Terra, de Salgado, tem um projeto no BNDES que pede financiamento do banco a fundo perdido. Não sei qual é a quantia, mas deve ser bastante dinheiro, pois deu uma parada agora com os cortes recentes. Como se vê, são muitas interações que no minimo criam um emaranhado de conflitos de interesses na interferência do famoso fotógrafo nesta tragédia em torno do Rio Doce.

sebastião-salgado

Sebastião Salgado. Jota – Brazil Limpeza

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em Sem categoria e marcada com a tag , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.