Sem a justa ira dos inocentes

Ricardo Noblat

Renan Calheiros é golpista. Um “velho golpista”. De acordo com o PT, golpista é aquele que por voto, palavras e obras apoiou a queda da ex-presidente Dilma. Foi o caso de Renan. O “novo golpista” torce para que Lula seja impedido pela Justiça de disputar a eleição presidencial do próximo ano. Não é o caso de Renan. Que deseja Lula candidato esbelto e forte para beneficiar-se dos seus votos.

Por favor, não esqueçam, suplicou Renan outro dia: ele sempre foi de esquerda. Ele é Renan. Lula, não. Jamais foi de esquerda. Valeu-se dela para fundar o PT. Serviu-se dela para chegar ao poder.

E uma vez lá, governou com as elites que antes amaldiçoava. Que hoje amaldiçoa na tentativa de não perder a simpatia dos mais pobres. Lula é o que foi sempre: um irresponsável manipulador de palavras e de sentimentos.

O encontro dos réus Lula e Renan marcou a passagem por Alagoas na semana passada da caravana do mais ilustre alvo da Lava Jato. Renan não discursou com medo de ser vaiado. Queria livrar-se, e ao visitante, do constrangimento.

Mesmo assim foi vaiado e fingiu que não era com ele. Lula encantou os que queriam ouvi-lo e tocá-lo como se fosse um demiurgo. Provou que está em boa forma.

Ameaçado de não se reeleger senador, Renan afastou-se do governo impopular de Michel Temer para colar-se de vez a Lula. Exagero: de vez, não, apenas o necessário.

Lula acolheu-o como se Renan não tivesse atraiçoado Dilma. “Renan pode ter todos os defeitos, mas ajudou meu governo”, disse Lula. Quanto ao fato de Renan responder a 14 processos, Lula afirmou que “todo mundo é inocente até que se prove o contrário”.

Como demonstrado, ajudar Lula a governar é condição essencial para ser absolvido por ele de qualquer pecado. A máxima de que “todo mundo é inocente até que se prove o contrário” não passa de uma frase vazia na boca de Lula.

O Supremo Tribunal Federal considerou o mensalão do PT um “atentado contra a democracia”. E condenou os mensaleiros à prisão. Lula prefere seguir negando que o mensalão existiu.

A quem cabe provar que um suposto inocente é culpado? Nas democracias, à Justiça. No mundo onde Lula faz e aplica suas próprias leis, cabe a ele.

Se Lula reconhecesse a autoridade da Justiça seria obrigado a render-se à realidade de que seu governo foi corrupto e legou a Dilma uma pesada herança de corrupção. Como, pois, ficaria se a Justiça, mais tarde, o condenasse? A última palavra é dele.

Nas penitenciárias, ensina o médico Dráuzio Varella, só existe gente inocente. Ninguém, ali, cometeu crime algum. Todos são vítimas de injustiças. Na política, como nas penitenciárias.

O Congresso, mas não só, é um imenso Carandiru, depósito de imaculados. Os porões dos palácios em Brasília são locais de orações e de reflexão. A Lava Jato é uma máquina de moer santas reputações. E Lula… Ora, Lula…

É o santo padroeiro dos que querem emparedar a Lava Jato, remeter o combate à corrupção para o inferno e manter tudo como está. Nunca antes na história do país alguém detratou a Justiça com a desenvoltura e a desfaçatez exibidas por Lula.

Sua viagem de 20 dias a 25 cidades de nove Estados do Nordeste tem servido para que ele ataque com virulência “os canalhas” da toga, como fez em João Pessoa no último fim de semana. Lula fala para os convertidos. Ao fim e ao cabo, carece da justa ira dos inocentes e dos perseguidos.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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