Era uma época em que o nome de um indivíduo podia ser famoso e respeitado em toda a Europa sem que se tivesse uma ideia muito clara de como era seu rosto. A fotografia não tinha sido inventada. Nobres e reis eram conhecidos através de pinturas, desenhos e gravuras, que, como se sabe, nem sempre são unânimes em sua reconstrução de fisionomias, além de correrem o risco de ficarem rapidamente defasadas porque o indivíduo envelheceu, engordou, etc. Quantas pessoas, na Paris de Maria Antonieta, tinham visto de perto o rosto de Maria Antonieta? Há um interessante filme sobre Napoleão (“A Roupa Nova do Imperador”, de Alan Taylor, 2001) em que ele foge do exílio, retorna a Paris para reconquistar o trono, mas a conspiração que o ajudou é desmontada. Ele se vê sozinho, anônimo e sem dinheiro numa cidade onde ninguém o reconhece, e não adianta dizer que é Napoleão porque há centenas de malucos dizendo o mesmo.
No conto “A Liga dos Cabeças Vermelhas” (1891), Sherlock Holmes a certa altura encontra-se frente a frente com John Clay, um bandido que ele classifica como “o quarto homem mais esperto de Londres”. Críticos perguntaram: esse homem tão esperto não saberia que aparência tinha Sherlock Holmes? Talvez sim, talvez não, mas essa é uma questão que hoje, 120 anos depois, em plena ditadura da imagem, se coloca de outra forma. No tempo de Jesus Cristo, se alguém chegasse numa cidade da Judéia dizendo ser o próprio ia ter que fazer um ou dois milagres para convencer os relutantes.
Duvido que durante a vida de Jesus (mesmo durante os seus três anos de militância intensa, até a crucificação) tenham circulado desenhos ou pinturas com a representação do seu rosto. O que se tinha eram descrições e comparações verbais, imprecisas como sempre, e não era uma tarefa fácil a qualquer sujeito convencer os outros de sua própria identidade.