Alguns não se veem no papel; outros querem ser também senhores e doutores
Jorge Jesus, o vitorioso técnico do Flamengo, não quer ser chamado de “Professor”, a forma com que os jogadores brasileiros se dirigem a seus treinadores. Disse que professor “é quem ensina matemática e filosofia”. Prefere ser chamado de “Mister”, como é comum no futebol europeu —num continente onde os treinadores costumam ser um monsieur, um herr, um signore, o mister facilita tudo. A torcida do Flamengo pegou a deixa e já canta nas arquibancadas: “Olê/ Olê, olê, olê/ Mistêr! Mistêr!”.
Mas o prestígio da palavra professor é muito forte. Wanderlei Luxemburgo, hoje no Vasco da Gama, não abre mão desse título —que, na sua dicção peculiar, ele pronuncia “profexô”. Dom Pedro 2º dizia que, se um dia deixasse de ser imperador do Brasil, ficaria muito feliz como professor numa das muitas escolas que criara —pena que, em 1889, a República não lhe concedesse essa graça, embarcando-o às pressas para o exílio.
Para Cauby Peixoto, o cantor, todo mundo era “professor”. Em música, professor é uma qualificação que só se dá aos diplomados pelos conservatórios. Mas o generoso Cauby não se limitava a esses —chamava de professores os eletricistas do teatro, os pipoqueiros, os repórteres.
Em 1967, fiz um breve curso de literatura portuguesa na Universidade de Coimbra, em Portugal. Eram classes com mais de cem alunos e, quando um de nós precisava fazer xixi, o protocolo exigia que se erguesse o braço e dissesse em voz alta: “Se me dá licença, senhor doutor professor, posso ir à casa de banhos?”. Os mestres não eram só professores. Exigiam ser também senhores e doutores, mesmo para atender a tão prosaica solicitação.
Às vezes, os porteiros do meu prédio aqui no Rio se dirigem a mim, não como senhor ou doutor, como reza a praxe entre eles, mas como professor. Fico sem jeito, porque não me vejo no papel —também sou nulo em filosofia e matemática.