O texto que você teimou em seguir foi composto em Freight Text Book (corpo 10.3), para o jornal impresso, e em Freigth Text Light (19 pixels), para a versão online, e originalmente digitado em Calisto MT (corpo 13,5), fonte também com serifa. Dois anos atrás, o teria digitado em Caslon, Georgia, Cyan ou Mrs. Eaves, igualmente serifadas.
Sim, sou um tipomaníaco. E daqueles que não só mudam de fonte (ou tipo) como quem troca de camisa, mas até as baixam na internet, grátis e no cartão. Talvez seja uma forma de transtorno obsessivo compulsivo, tão grave quanto comprar ou refugar um livro exclusivamente pela capa, piração de que também padeço.
Se um tipo me intriga, tento identificá-lo através do fórum WhatTheFont. Foi assim que descobri qual a fonte utilizada nos créditos dos filmes de Woody Allen (Windsor) e no Kindle (PMN Caecilia), e também a existência de uma versão pirata do tipo usado nas titulações da revista The New Yorker. O que me faltava conhecer – afinal, não sou designer nem estudei paginação – aprendi com um livro que a Zahar acaba de traduzir: Esse É Meu Tipo, do jornalista inglês Simon Garfield (359 págs., tradução de Cid Knipel, R$ 44,90), um tratado de tipologia cheio de histórias saborosas, cuja leitura encherá de prazer mesmo aqueles que não sabem o que é uma ligatura ou uma palavra em versal.
Se, a exemplo da arquitetura, a tipografia expressa uma civilização, uma fonte pode definir um produto, uma instituição, e até reorientar uma campanha política, como aconteceu com a de Barack Obama, deslanchada com a britânica, “formal e dura”, Gill Sans, logo substituída pela “descontraída e mais solta” Gotham, célebre por haver sido projetada para a revista GQ, na virada do milênio.
Quando a Ikea, a Tok Stok sueca, trocou seu visual (saiu Futura, sem serifa, entrou Verdana, idem), foi um deus nos acuda no mercado. Parte da frontovérsia deveu-se ao fato de a família Verdana haver sido concebida pelo britânico Matthew Carter para a Microsoft. Carter também desenhou outro must da era digital, a já citada Georgia, a de melhor leiturabilidade na tela do computador, segundo os entendidos.
A preferência por determinados tipos pode não determinar o sexo e o caráter de uma pessoa, mas esclarece um bocado sobre sua personalidade. De todo modo, assim como os homens são de Marte e as mulheres, de Vênus, as fontes grossas pesadas e com arestas pontiagudas são, tendencialmente, masculinas, e as fantasiosas, mais leves e curvilíneas, vocacionalmente femininas. Se letras usassem roupa, as cursivas vestiriam saia e todos os negritos, bombachas.
Ao primeiro sinal de insatisfação com o que escreveu ou de desânimo para iniciar um novo texto, experimente trocar sua fonte habitual (New Times Roman ou Arial, aposto) por outra, pelo tempo necessário à recuperação e à manutenção daquela velha chama. A adoção de uma nova aparência gráfica já resolveu até casos de bloqueio. Não se envergonhe de ser um Casanova tipográfico, fadado a nunca encontrar o tipo ideal, uma fonte para o resto da vida.
Das mais de 100 mil fontes existentes no mundo, as melhores e piores costumam vir de brinde nos sistemas operacionais e editores de texto. Acredita-se que com apenas meia dúzia delas (Times New Roman, Helvetica, Garamond, Calibri, Gill Sans, Verdana) conseguiríamos sobreviver condignamente.
Arial? Redundante. É a Helvetica da Microsoft. Já lhe tive afeição (na versão Narrow, uma estroinice, reconheço), como já me enrabichei por outros espécimes sem serifa (destaque para Trebuchet e Optima), que ainda considero ideais para anotações e rascunhos. Parecem menos formais e mais contemporâneas, mas a elegância não é seu principal atributo.
Os escritores americanos se amarram no Courier, corpo 12, que lhes recorda os caracteres medidos em paicas das máquinas de escrever e transmite um certo ar de transitoriedade, adequado a textos ainda abertos a alterações e aprimoramentos. Todos, sem exceção, execram o popular e infantilizado Comic Sans, que, aliás, virou judas de uma agressiva campanha na internet, aparentemente infrutífera.
Anne Fadiman se diz eclética, mas em seus livros e manuscritos rejeita qualquer fonte sem serifa derivada da Helvetica, cujo longo prestígio, notadamente em Nova York (as bancas tkts, a Bloomingdale’s, a Gap, a Knoll, o metrô, as caixas de correio), inspirou um documentário dirigido por Gary Hustwit. Nenhuma outra fonte logrou semelhante façanha.
Nossos escritores preferem, quase por unanimidade, a Coca-Cola tipográfica do Windows, o New Times Roman, concebida há 80 anos por Stanley Morison para o Times de Londres. Nesse pormenor, Rubem Fonseca não foge à regra. Seus e-mails, em Calibri, corpo 11, tampouco destoam do gosto majoritário. João Ubaldo Ribeiro quase adotou o Courier New, pelos mesmos motivos de seus colegas americanos, mas embora tenha fechado com o indefectível New Times Roman, corpo 14, dotou seu teclado dos plict-plocts-plim! das máquinas de escrever, ruídos que o rejuvenescem e o levam de volta a Salvador dos anos 1950, “entre a gritaria, a barulheira e a fumaceira das redações”.
Ubaldo tentou, debalde, me converter ao nostálgico artifício. Se há algo de que não sinto a menor saudade é de máquina de escrever.