Snowden – Herói ou Traidor|Ex-funcionário terceirizado da Agência de Segurança dos Estados Unidos, Edward Snowden (Joseph Gordon-Levitt) torna-se inimigo número um da nação ao divulgar a jornalistas uma série de documentos sigilosos que comprovam atos de espionagem praticados pelo governo norte-americano contra cidadãos comuns e lideranças internacionais.
Oliver Stone, 2016, 2h 15min, EUA, França, Alemanha
Oliver Stone volta a ser relevante – Edward Snowden, o ex-agente da CIA que denunciou um polêmico esquema de vigilância global por parte do governo norte-americano, passou por um raio hollywoodizador. O que significa dizer que Snowden, a cinebiografia do jovem que Oliver Stone se propôs a contar, pesa a mão na trilha sonora (é um melodrama daqueles), não economiza nas frases de efeito, explora uma condição física (epilepsia) do protagonista, não abre mão de um romance e, claro, mostra o retratado “desativando a bomba” no último segundo antes do aparato explodir.
Snowden – FotoMais do que tudo, no entanto, Stone faz Snowden (Joseph Gordon-Levitt) caber na fôrma do herói nacional – justo aquele que se caracterizou por ser exatamente o oposto da ideia, responsável por denunciar a postura, pelo menos em princípio, arrogante, de uma nação que se julga o xerife do mundo. E, por isso, a obra nem sequer permite o benefício da dúvida, um direito da plateia, nesse aspecto, sobre o comportamento do mocinho.
A questão que fica deixa de ser um jogo do culpado ou inocente, para se debruçar sobre a real motivação que levou Snowden a colocar a boca no trombone. Há um tremendo componente patriótico na narrativa que leva a crer, em última instância, que os Estados Unidos prezam tanto pela liberdade, que o governo até permite que ser criticado pelo cidadão (sei…)
Mas talvez seja tarde demais para isso. A ficcionalização dessa história – assim apresentada, a partir da coleta de material em diversas entrevistas, dois livros e nove idas à Rússia, onde Edward Snowden mora atualmente, e que abrange um período de 2004 a 2013 – não foge dos episódios caros à imagem Snowden – Fotoarranhada dos Estados Unidos. Não faltam, por exemplo, críticas à postura do governo Barack Obama, que manteve a questionável política de espionagem da era Bush, ou desmascarar mentiras ditas publicamente pela Agência de Segurança Nacional (SNA).
Snowden não traz nenhuma novidade, exatamente, a respeito das denúncias do ex-agente, noticiadas à exaustão – e tema do contundente documentário ganhador do Oscar Cidadãoquatro. O “frescor”, aqui, para o grande público, fica por conta do relato da vida pessoal do rapaz (afinal, é de Hollywood que estamos falando), uma linha narrativa centrada na figura da namorada dele, Lindsay Mills (Shailene Woodley, sem grande destaque), retratada como alguém aparentemente independente (cheia de opinião própria), mas que não faz mais nada do que viver à sombra do ex-agente. E, por mais difícil que tenha sido, num primeiro momento, ver alguma semelhança física entre Gordon-Levitt e Snowden, o ator emposta a voz e termina te convencendo de que ele é, sim, o personagem.
Snowden – Apesar dos pesares, Stone filma de uma maneira dinâmica, não linear, que une o momento em que Snowden entrou para a agência à entrevista dada ao The Guardian, estopim do caso, documentado pela diretora Laura Poitras (material que vira a se tornar justamente Cidadãoquatro), interpretada por uma irreconhecível Melissa Leo.
A dúvida – não exclusiva do filme, mas indissociável ao formato da cinebiografia – “será que realmente foi assim que aconteceu?” vale mais pela pergunta do que pela resposta – que, na realidade, nem o próprio Oliver Stone tem. A certeza – com um exagero ali, outro acolá – é a de que o que se vê na tela é convincente. E, apesar da indução patriótica, Snowden resulta na maior anti-propaganda dos Estados Unidos do universo da cultura pop contemporânea – e a obra mais relevante, em anos, da filmografia recente do diretor de Nascido em 4 de Julho.
Filme visto no 41º Toronto International Film Festival, em setembro de 2016.