Simples assim

Quantas vezes você já ouviu hoje alguém dizer pontuar, robusto, assertivo, resiliência e empatia?

A todo momento há alguém dizendo na televisão: “Eu só queria pontuar que…”. Apresentadores, repórteres, comentaristas, entrevistados, todos estão freneticamente querendo pontuar. Ninguém está a fim de virgular, exclamar, interrogar e muito menos ponto-virgular. Só de pontuar. É uma das palavras do momento. E, como outras do gênero, desnecessária. Se, em vez de pontuar, a pessoa disser logo aquilo que quer pontuar, sua supressão não fará a menor falta.


Outra mania em curso na praça é “simples assim”. Para mim, o primeiro a usá-la, há mais de 30 anos, foi Paulo Francis. Era tradução de “that simple” e combinava com o jeito de Francis argumentar. Ele morreu em 1997 e, por décadas, não ouvi ninguém dizer “simples assim”. Mas, de há algum tempo, passei a escutá-la no atacado e no varejo —não no sentido original de “não é complicado”, mas no de “Ponto final!”, “Cala a boca!”, “Acabou, porra!” e outras bolsoexcreções. O mesmo se aplica a “Vida que segue”, expressão popularizada no rádio dos anos 60 por João Saldanha. Definia um certo fatalismo, como o singelo “É isso aí”. Hoje é também sinônimo de “Assunto encerrado!”


Há transmigrações semânticas benignas. “Robusto” é o caso. Até há pouco, designava uma pessoa forte, rija, maciça. De repente, passou a definir também um conjunto de provas capazes de condenar alguém —”Provas robustas”, dizem os magistrados. Pois é o que teremos quando aqueles sujeitos musculosos que fazem a tara de Jair Bolsonaro, associados à produção de fake news, enfrentarem as provas robustas que estão se acumulando contra eles.

As palavras vão e vêm. Impossível ficar hoje mais de cinco minutos sem ouvir alguém dizer “assertivo”, “resiliência” e “empatia”. No passado, já foram palavras de 100 dólares e só os intelectualizados as usavam. Agora saem de graça.

Tudo bem. Temo apenas que, assim como entraram, logo saiam da língua —sem saber por quê.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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