Charcon era chefe de um setorzinho em que só trabalhavam mulheres neurastênicas e sensíveis. Umas amores, coitadas. Parecia cada uma delas precisar urgente de um tipo específico de especialista. De manicura a um bom lacaniano. Mas eram tão cheias de crenças nos valores da Empresa. Fariam o que fosse preciso.
Tudo e qualquer coisa. Por uma revolução humanitária plena. Charcon gostava de tê-las ao par dos olhos. Investigava com um mórbido prazer lá no fundo delas de onde vinha aquela crença toda. De onde a cegueira ingênua em não perceber que não faziam a mínima diferença. O exercício de injúria praticado ali contra elas e à permissão de todos servia como sofisticação da performance pública que as criaturas iriam desenvolver fora daqueles portões.
E a cada mês, bimestre, ano, a equipe formada pelas moças de Charcon rasgava a carne do corpo para alimentar a fome das bestas que elas sonhavam civilizar. Esgotadas e destituídas de qualquer lirismo, as moças eram uma a uma substituídas por outras que perpetuavam o discurso de crença na Estrutura.