Paulo Ramos é jornalista, escritor, professor universitário e crítico de histórias em quadrinhos. Um dos mais respeitados (se não o mais) do Brasil no momento. Mantém o Blog dos Quadrinhos, hospedado no portal UOL, de visita obrigatória. Com ele já conquistou duas vezes o Troféu HQ Mix (2008 e 2009) e tem feito um trabalho notável de difusão e análise da arte quadrinizada. É dele também os livros A Leitura dos Quadrinhos (Contexto) e Revolução do Gibi – A Nova Cara dos Quadrinhos (Devir), entre outros.
No apagar das luzes de 2013, Paulo Ramos fez aquilo que eu tenho vontade de fazer há algum tempo, mas vou adiando por puro relaxo. Paulo despediu-se do Super-Homem. Em carta aberta ao Homem de Aço, ofereceu os seus motivos (que são também os de todos nós, velhos leitores de gibis). Começa por avisar que não irá comprar o nº 18 da revista Superman, prestes a sair no Brasil, porque “é aqui que a gente se separa”.
Justifica: “Tenho acompanhado suas aventuras desde julho de 1984, data em que você começou a ser publicado pela Abril. Tenho colecionado suas revistas desde então. Nacionais e estrangeiras. (…) Nesse tempo, li muita coisa boa. (…) Mas, justiça seja feita, li muito mais narrativas ruins do que boas. Lembra-se de quando o transformaram em um ser composto por eletricidade? Horrível, não? Mesmo assim, eu resisti. Sempre apostei que, após alguma intervenção editorial malsucedida, poderia vir algo de bom depois da ‘próxima crise’”.
E continua: “O problema é que, agora, a mudança foi brusca demais, mais até do que aquela versão elétrica a que sujeitaram você nos anos 1990. A DC Comics (…) alterou sua personalidade, tanto como herói quanto na versão civil, Clark Kent. Essa reformulação, batizada por aqui de ‘reboot da DC’, tirou a sua essência. Assim, fica difícil de se identificar com as marcas centrais que o tornaram o personagem que é. Soma-se outro ponto: suas histórias estão ruins. Ruins como nunca havia visto”.
Paulo Ramos vai por aí afora, sublinhando que Superman, como tantos outros heróis, estão sendo vitimados por uma espécie de “kryptonita midiática”, com a transferência dos super-heróis para o cinema, em produções caríssimas e de grandes efeitos especiais, com faturamento equivalente.
Resultado: “… o gênero impresso dos super-heróis ruma a um ofuscamento” – preconiza Paulo, acentuando que a opção, que seriam boas histórias, não têm sido oferecidas ao personagem. Ao contrário.
Estou com Paulo Ramos, em número, gênero e grau. Por ser bem mais velho do que ele, conheci Super-Homem antes da Abril. Creio que foi em O Lobinho, do pioneiro Adolfo Aizen. Depois, reencontrei-o na Ebal, também de Aizen, onde ele ganhou título próprio, em novembro de 1947. Do Azulão não me desgrudei mais. Tenho praticamente todos os números das várias séries editadas pela Brasil-América, incluindo os exemplares coloridos, almanaques, edições bimensais e os subprodutos do título (Superboy, Supermoça, Jimmy Olsen & Míriam Lane, Legião dos Super-heróis, Liga da Justiça, Super-Homem & Batman) e em formatinho. Tenho ainda, devidamente organizadas, as fases da Abril e da Panini, até aqui. É um mundão de gibis.
Durante a carreira, Super-Homem passou por muitas e más situações. Tiraram-lhe os poderes, condenaram-no ao exílio, raptaram-lhe a memória, demitiram-lhe do jornal Planeta Diário, mudaram-lhe o uniforme, transformaram-no em “cyborg”, em hippie, em mutante e até em presidente dos EUA. Matar, já o mataram umas quatro ou cinco vezes. Conseguiram fazê-lo casar-se, enfim, com a quase desesperançada Lois Lane, mas esse casamento foi esquecido. Faltava fazer o homem de Krypton desmunhecar. Carência suprida em 1997, quando ele passou a dar choques, como referido acima por Paulo Ramos.
Agora, desesperados pela queda da vendagem das revistas e a concorrência dos games, os homens do marketing da DC resolveram oferecer nova (mais uma) repaginada na vida do Herói de Aço. Primeiro, trocou a tradicional malha justa azul e vermelha por calças jean, botinas de cadarços, uma camiseta de mangas curtas e uma pequenina e ridícula capa. Depois, abandonou a velha sunga sobre a malha para ficar mais próximo de sua imagem criada pelo cinema. Mas os argumentos das histórias impressas continuaram ruins, mais ruins do que nunca. Além do que, os editores revelaram-se mais perigosos do que a kryptonita vermelha. Em seus devaneios, conseguiram descaracterizar aquele que sempre foi o mais famoso super-herói dos comics de todos os tempos, tão popular quanto a Coca-Cola e o MacDonald americanos.
Por tudo isso, como Paulo Ramos, não vou adquirir os novos exemplares de linha de Superman – talvez apenas algum álbum especial, fora da atual (e terrível) cronologia. Foi uma fiel parceria de quase setenta anos que chegou ao fim.
Super-Homem, como praticamente todos os super-heróis de papel, reunindo os universos DC e Marvel, acabou. Perdeu a essência e o rumo. Ele já havia perdido os seus grandes criadores, gênios da pena, do pincel e do argumento. Agora, está perdendo os leitores. A arte sequencial está sendo totalmente asfixiada pelo mercantilismo rasteiro. E comprometendo todo o seu futuro.
No caso de Super-Homem, Batman e Homem-Aranha, por exemplo, meia dúzia de editores insensatos estão conseguindo fazer o que a kryptonita, Lex Luthor, Coringa, Pinguim, Dupla-Face, Duende Verde, Lagarto, Octopus e tantos outros delinquentes não conseguiram durante longos 75 anos: matar os heróis. Que o inferno lhes seja leve.
Célio Heitor Guimarães, blog do Zé Beto
PS: Lembro aqui, com saudades, do nosso grande Denisar Zanello Miranda, crítico de histórias em quadrinhos, editor da revista Correio dos Ferroviários, onde o cartunista obsoleto que vos digita publicou seus primeiros desenhos. A revista, da antiga RVPSC, não tinha verba para a publicação. Denisar me pagava do próprio bolso. Solda