O pior bafo do mundo

Se por um segundo eu esquecesse e usasse as narinas, me atacava a labirintite

Na época ela espalhou para Deus e o mundo que eu era meio falsa, meio estranha e meio louca (coisas que toda mulher é um pouco, porque todo ser humano é um pouco). Porém, não foi isso. Eu tentei bastante —meu fígado sabe o quanto—, mas a Juliana tinha o pior bafo que já senti emanar de um ser vivo. Só de lembrar, me dá um arrepio de horror, como se uma enorme barata voadora caísse agora na minha nuca e entrasse na blusa. 

Tem o bafo “hmmm, acho que lá no fundo dessa arcadinha dentária há um amiguinho precisando de atenção”. Tem o bafo de regime, um mix de acidez estomacal, baba branca seca e bexigas murchas de festa caída. Tem o bafo “pode bochechar com Pato Purific que vai continuar agraciando a atmosfera com notas de alho”. Tem o bafo “linha direta com o intestino grosso”. E, por fim, ganhando de todos em intensidade, durabilidade e capacidade de causar em quem quer que fosse um desejo profundo de falecer,  tinha o bafo da Juliana.

E por que eu aturava isso? Porque eu tinha 19 anos e queria ajudar. Eu ainda não tinha entendido que podemos ser escrotos e ignorar por completo uma pessoa “apenas” porque ela exala na cara dura o odor do chorume do inferno. Eu pensava que minha vida estava só começando e que eu teria muitos desafios pela frente. Aquele era simplesmente o “bafinho de uma garota”, algo prosaico e leve, e eu não podia me acovardar. Às vezes a gente passa por algo terrível achando que ainda é o início das dificuldades de ser adulto, mas, 20 anos depois, olhamos para trás e reconhecemos: “Não, aquele bafo foi mesmo a maior
adversidade que enfrentei”.

Eu acreditava que era frescura minha e que a Juliana, por ser boa pessoa, merecia meu sacrifício em passar sete horas num carro, indo para a praia, respirando apenas pela boca. Se por um único segundo eu esquecesse e usasse as narinas, me atacavam o fígado e a labirintite (algo perigosíssimo para quem
está guiando numa estrada). Durante os três anos em que fomos amigas, eu respirava tanto pela boca que toda hora dava entrada no hospital achando que era infarto, mas eram os gases que tinham subido causando aquelas agulhadas terríveis no peito. O meu pum, pensando agora, teria sido bom para amenizar o cheiro da boca dela.

Juliana tinha carta, mas não sabia dirigir (tinham tanto medo que ela voltasse que a aprovaram antes da hora). Então, toda sexta, quando íamos para a balada (e obviamente os homens fugiam dela, daí eu tinha que ficar mentindo que “o cara ideal ainda ia aparecer, porque ela era muito especial e os caras normais não entendiam isso”), depois ela dormia na minha casa.

Lembro da minha mãe, tadinha, deixando um Listerine extraforte novinho no banheiro, na esperança de que ela engolisse aquele litro inteiro. No dia seguinte, mamãe abria a casa toda e falava bem séria: “Tem que parar de andar com essa menina, a fedentina entra até nos armários”.

Então, quando eu tinha uns 22 anos, já estava muito cansada daquele odor putrefato e resolvi mandar a real. “Olha, Ju, talvez fosse legal marcar um gastro”. E ela sem entender. “Sei lá, Ju, fazer uma endoscopia” (ou um exorcismo). E ela com cara de ué. Como é que alguém sai com um colar de fezes pendurado no pescoço e não sabe? “Ju, desculpa, você tá com um pouquinho de mau hálito”. E a desgraçada respondeu: “Ah, não, é que comi um quibe”. Nesse dia desisti dela para sempre. Parei de atender, de ligar, de convidar. Se o quibe tivesse sentimentos, essa teria sido a pior ofensa da vida dele.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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