Entre uma ala dos europeus, há um temor de que, sem um acordo comercial com as maiores economias da América do Sul, a região possa ser alvo de uma ofensiva ainda maior por parte da China. Em conversas reservadas com a reportagem, deputados europeus confirmaram que a Comissão Europeia tem alertado que um fracasso por parte de Bruxelas em estabelecer uma aliança com a América do Sul deixaria a região aberta a uma influência comercial e política ainda maior por parte de Pequim.
Os gestos do governo do Uruguai de flertar com um acordo comercial com os chineses acendeu o sinal de alerta nas capitais europeias, cientes de que Pequim não fará exigências ambientais, trabalhistas ou sociais para entrar em um entendimento com os sul-americanos.
Hoje, os chineses já são os maiores parceiros comerciais do Brasil, realidade que ameaça deslocar empresas europeias de um mercado que é considerado como tradicional para as exportações da Alemanha, França ou Espanha.
Em 2022, o mapa do comércio brasileiro já era revelador dessa nova realidade política:
A China foi o destino de 27% de toda a exportação brasileira. Veja ranking:
- China – 27%
- Holanda – 3,6% (impulsionado pelo papel chave do porto de Roterdã)
- Espanha – 3%
- Alemanha – 1,9%
- Itália – 1,4%
- França e Peru – 1%
Outro interesse europeu é o de consolidar a aliança estratégica com a América do Sul, como parte da construção de um cenário internacional mais equilibrado e que possa amenizar uma disputa de hegemonia entre EUA e China.
A ofensiva diplomática, de fato, é considerada em Bruxelas como “sem precedentes” nos últimos anos. Ela inclui:
- O vice-presidente da Comissão Europeia, Franz Timmermans, que esteve em Brasília para reuniões com o vice-presidente Geraldo Alckmin, no Itamaraty e com os ministros Silvio Almeida (Direitos Humanos) e Sonia Guajajara (Povos Indígenas);
- Na terça-feira, Lula se reuniu com o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel;
- Nesta quinta-feira, o presidente da França, Emmanuel Macron, passou mais de uma hora ao telefone com Lula e viajará ao Brasil em fevereiro;
- Na próxima segunda-feira, o chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, viaja para Brasília para um encontro com Lula;
- Nas próximas semanas, o Planalto espera a visita do presidente do governo da Espanha, Pedro Sánchez, que também pressionará por um acordo;
- Os europeus ainda querem restabelecer a cúpula Europa-Brasil, projeto que ficou enterrado nos últimos nove anos.
Segundo o UOL apurou, em todas as conversas, o objetivo é buscar formas de lidar com as pendências ainda existentes no acordo e concluir o processo iniciado em 1999.
O peso de três das maiores economias da Europa também é interpretado como um sinal claro de que existe pressa por parte do Velho Continente.
Fontes no Itamaraty confirmaram que Lula usou a viagem para Buenos Aires para conversar com os demais líderes da região sobre a posição de cada um em relação a um eventual acordo com a Europa. A ordem também foi para que o chanceler Mauro Vieira realizasse consultas com os demais ministros do Mercosul sobre a posição de cada um deles.
Em Buenos Aires, Lula ainda ouviu do presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, a existência de um interesse firme por parte dos europeus para concluir o processo e finalizar a tramitação do tratado.
As pendências, porém, não são pequenas:
Os europeus vão apresentar um protocolo adicional ao tratado comercial, estipulando regras ambientais para as exportações do Mercosul. A medida é uma exigência do movimento ambientalista europeus que promete bloquear o acordo caso esses temas não sejam lidados;
O Brasil quer maiores garantias sobre temas como propriedade intelectual, indicação geográfica dos produtos. Alas protecionistas na Europa tentam bombardear um entendimento, alegando que o acordo afetaria a produção agrícola do bloco.
Lula surpreendeu
Entre os europeus, o discurso de Lula no Uruguai surpreendeu pela clareza do presidente brasileiro sobre a disposição de colocar a UE como prioridade para fechar um acordo comercial. Em Montevidéu, Lula tentou abafar a rebelião uruguaia de sair em busca de um entendimento sozinho com a China, anunciando sua intenção de concluir o acordo com os europeus.
Essa foi a primeira vez que tal postura foi adotada, até mesmo com maior ênfase que a do próprio chanceler Mauro Vieira. Tanto no Itamaraty como em Bruxelas, o tom sinalizou que o processo agora ganha velocidade.
A fala deixou os europeus entusiasmados e, internamente, a ordem é a de sinalizar que a oportunidade não deve ser desperdiçada. Do lado da Comissão Europeia, o acordo é visto como mais vantajoso para Bruxelas que aos interesses do Mercosul. Não se disfarça na capital europeia que, sob Ernesto Araújo, o Brasil fechou um acordo em 2019 com cotas modestas para os exportadores brasileiros de carnes e de açúcar.