Explico-lhe, dando um exemplo pessoal:
Portador de cardiopatia grave – atestada por meu médico particular, professor universitário de renome, com vários anos de atividade profissional – foi-me implantado no peito um marca-passo cardíaco. Em assim sendo, a legislação vigente, a doutrina dos administrativistas e a jurisprudência de nossos tribunais contemplam-me com a isenção de desconto de IR e de previdência social em minha folha de pagamento de servidor público aposentado.
Mas esta não é a opinião da ParanaPrevidência, órgão encarregado da previdência pública estadual, à qual encaminhei requerimento circunstanciado. Inicialmente, a PP remeteu-me à avaliação de um perito ortopedista, que, sem tocar em mim e sem nenhuma motivação ou justificativa, concluiu que eu não tinha doença alguma. O “laudo” não passou de uma simples folha de papel impressa, onde o perito apenas deveria assinalar, em dois pequenos círculos opcionais se o “periciado” era portador ou não de moléstia que justificasse as isenções. No meu caso, nas duas hipóteses, a resposta foi não. No rodapé, era avisado que a perícia teria como base o atestado médico particular… (!?)
Posteriormente, em pedido de reconsideração, o médico perito supervisor do órgão revelou o porquê da perícia negativa: ele, chefe da peritagem estadual oficial, entende que o uso de um marca-passo não caracteriza cardiopatia greve. E, claro, externou o entendimento aos “peritos” do órgão. É a mera opinião de um burocrata, mas é a que prevalece.
Quer dizer, embora cardiopata, não tenho direito às isenções pretendidas.
Não tivesse recebido o marca-passo, eu não estaria aqui batucando este teclado, pois os batimentos cardíacos já estavam próximo de 25. O implante exige avaliação médica periódica e o uso contínuo e controlado de medicamentos. Mas isso pouco importa para o burocrata (de merda) da PP.
Curiosamente, importa para os cultores do Direito Administrativo, como Leandro Linoabr, para quem são cardiopatias graves aquelas que levam a revascularização cardíaca (stentes, pontes de safena, implante de marcapasso, substituição de válvulas cardíacas, etc).
“Nesses casos” – destaca o autor – “poderão requerer a isenção do imposto de renda sobre a previdência oficial (aposentadoria e pensão) ou complementar (aposentadoria e pensão), e ainda serem restituídos dos impostos pagos indevidamente nos últimos 05 anos”.
Assim também propaga o site Isentei, segundo o qual o marca-passo “é indicado para pessoas com frequência cardíaca lenta” (e) “sua colocação por si só já indica a existência de cardiopatia grave. Nesse sentido, existem inúmeras decisões dos Tribunais de Justiça do Brasil determinando a isenção do IR em razão da cirurgia de implante de marcapasso”.
Efetivamente, o Superior Tribunal de Justiça entende, de maneira pacífica, que o contribuinte com cardiopatia grave, ainda que esteja com quadro de saúde estável, possui direito à isenção. Portanto, a concessão do benefício não deve ser temporária e permanece mesmo que a doença não esteja ativa ou com sintomas recentes.
Esse entendimento foi, inclusive, sumulado. Trata-se da Súmula nº 627/STJ:
“Súmula n. 627/STJ: O contribuinte faz jus à concessão ou à manutenção da isenção do imposto de renda, não se lhe exigindo a demonstração da contemporaneidade dos sintomas da doença nem da recidiva da enfermidade”.
Idêntica decisão foi proferida do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, segundo a qual “a lei (art. 6º, incisos XIV e XXI, da Lei nº 7.713/88) exige apenas o diagnóstico das doenças ali elencadas para a concessão da isenção, sendo desnecessária a prova presencial de sintomas, incapacidade total ou internação hospitalar para o deferimento ou manutenção do benefício”.
Outras sentenças de tribunais superiores decretam, inclusive, que a isenção do pagamento do IR e de contribuição previdenciária não depende de perícia oficial e pode ser garantida por laudo médico particular. É o que decidiu a Terceira Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Esse mesmo entendimento tem sido adotado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme a Súmula nº 598.
Eu tinha pronta a medida judicial cabível contra o descabido entendimento do ínclito perito supervisor da ParanaPrevidência, através de um dos melhores escritórios de advocacia desta Capital e com grandes chances de vitória. Mas aí me lembrei de como são as coisas no nosso Judiciário, ao qual servi por 35 anos, e desisti. Não tenho mais idade nem paciência para aguardar uma decisão dos nossos homens de capa preta.
Que o perito supervisor da PP faça bom uso da sua sapiência. E depois desça feliz ao inferno!