Tenho uma história de Fani Lerner

Desenho de Iara Teixeira.

Não me lembro de ter contado esta história por escrito. Entretanto, deveria, lamento, pois não esperava contá-la desta maneira, quando a protagonista já não está mais presente, partindo tão cedo, tão cedo. Quando tal fato se deu, tive vontade de esganar a minha editora, a jornalista Cremilda Medina, então responsável pelas páginas culturais do jornal Estado de S. Paulo.

A Fundação Cultural de Curitiba, tão inventiva nos seus primórdios, realizava um encontro de mulheres realizadoras de cinema na cidade. Suzana Amaral ainda não tinha revelado a atriz Marcélia Cartaxo, mas já participava do encontro por seus curtas-metragens.

Devia ser 1978. Um ano depois começava a segunda administração de Jaime Lerner na prefeitura. E deu-se que Fani foi categórica com o marido: essa história de primeira-dama, cargo decorativo, jamais! Nascida Woller Proveller, órfã de pai aos 4 anos, normalista, ex-professora, ela não iria aguentar mais um mandato do marido, olhando tudo de camarote. Bastava a vergonha que já tinha passado, no ano passado, em plena Fundação Cultural.

Por essa vergonha é que eu, ali na sala como repórter de O Estado de S.Paulo, queria esgoelar a Cremilda. Aconteceu o seguinte: diante da platéia feminista de cinéfilas, Fani Lerner foi apresentada como a mulher do prefeito dono de um currículo exemplar para todo o país. Cremilda Medina indaga: “Sim, mas e você, o que você faz?”

Atordoada, escarlate até a raiz do cabelo, a jovem Fani está em pé, enquanto toda a platéia a olha e ela não consegue responder. A jornalista até fica surpresa com o constrangimento e explica: “Primeira-dama não é profissão”.

Por ter vergonha na cara, aquela filha de imigrantes judeu-poloneses salvos dos nazistas, engoliu as lágrimas e deu o troco. Em 1986, quando novo encontro de mulheres cineastas acontece na Fundação Cultural, agora com Suzana Amaral festejada por A Hora da Estrela, Fani Lerner nem tinha tempo para elas. Estava muito atarefada.

Em 1979 havia assumido o comando de 400 voluntários dedicados às crianças carentes, o Provopar, projeto que acabou adotado em outros Estados. Estava às voltas com a manutenção e criação de 500 creches. A Secretaria da Criança ainda não existia em 1986. Foi criada três anos depois e lá estava Fani, atarefada por seis anos e depois mais oito anos, já na esfera estadual, quando Jaimer Lerner assumiu o Palácio Iguaçu.

Em 2003, ela recebia nos EUA, o Prêmio Kellogg’s para o Desenvolvimento da Criança, com o qual concorria com Jetsun Pema, irmã do Dalai Lama. Obrigada, Cremilda, diria a primeira-dama, bem no íntimo, com um coro de milhões de crianças.

(Hoje, diante de Fani morta com apenas 63 anos, acho impossível que eu não tenha contado esta história antes. Afinal, fui testemunha do início de um grande legado de humanidade).

Adélia Maria Lopes.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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