Tenho vários pontos de vista. Alguns deles tão altos que nem eu mesmo alcanço. Outros são rasteiros e não me dou ao trabalho de me abaixar para entender. Os que alcanço facilmente não me interessam. Estão batidos e não me dão mais prazer. Dessa maneira, o que me sobra são os pontos de vista dos outros. Alcançando ou não, mudo partes ou tudo. Entendo mal, me divido na opinião final, deixo passar coisas importantes, incorporo corpúsculos digitalizados. Pobres daqueles que escrevem livros e fazem jornais ou televisão querendo passar fora do meu quintal, rente à cerca de ilusões.
Dando voltas em volta da mente, o homem que pensa é sempre contra. Voltaire nunca se vai. Ele sugeriu que o mal maior não é a desigualdade entre as pessoas. A dependência é que é. Somos tão dependentes uns dos outros que, por isso, cultivamos uma ilusão chamada sociedade. Agora sou eu divagando. Não acuse Voltaire, que não pode se defender. Que não de-pende mais de você. Única forma de não depender de ninguém é morrer. O cultivo da sociedade como algo inerente ao ser humano é uma balela. Quem de sã consciência ficaria dentro de um escritório por oito horas, sem ver a luz do Astro-Rei? Quem deixaria as pernas lindas das mulheres vagando solitárias pelas ruas e shoppings para se enfiar dentro da cabina de um avião a jato e ficar doze horas sobrevoando o Pacífico? Nossa fragilidade como seres é absurda.
Um beija-flor não bate na porta de outro, duas da manhã, para pedir que o escute. Precisa o belo pássaro contar suas mágoas, seus desamores, suas angústias? Um cavalo não se queixa para o outro porque perdeu um páreo pela diferença de um pelo do focinho. O lambe-lambe, os elogios rasgados, a opressão, as ameaças veladas, a indiferença, as fofocas… São apenas armas da nossa fragilidade. São armas mortais que cada um usa para sobreviver como indivíduo. O ‘salvo eu, danem-se os outros’ seria o slogan ideal do ser humano.
*Rui Werneck de Capistrano não é bobo nem nada