Levado pela mão do inesquecível poeta-trovador Vasco Taborda Ribas, assistia, extasiado, às declamações das odes altissonantes em louvor de pinheiros e pinheirais.
Mas as tertúlias não se limitavam aos poetas agregados ao Centro de Letras. Lembro uma convidada freqüente: a poetisa Conchita de Las Flores. Sim, leitor, Conchita de Las Flores. Por certo pseudônimo da espanholona fornida, extraviada cá pela terra das araucárias.
Recordo nítido: no saguão do Centro de Letras, e não no auditório, se dava o espetáculo de dança e versos de Conchita de Las Flores. A performance pedia espaço… De fartos seios e colo debruado de colares de contas, Conchita arrebatava!
Velhotes de todos os naipes, chapéus e bigodes, formavam uma roda, e no centro dela, Conchita recitava Garcia Lorca com voz estridente e acento madrilenho. Aquele, das personagens de Almodóvar…
Curioso era o abrir e fechar-se da roda em torno, pois, num crescendo, a inquietação de Conchita de Las Flores alcançava limites inomináveis, afastando e aproximando a platéia em pé, num círculo de aplausos. Ao centro Conchita incendiava.
A lhe marcar os meneios, o ritmo preciso das castanholas e os versos cadentes de Romance Sonâmbulo: “verde que te quiero verde”…
Já em casa da poetisa Elga Becker, então celebrada autora de um único livro, Caramujos de Vidro, o espetáculo era, digamos, mais recatado. Tertúlias regadas a empadinhas e sublimes limonadas que o paladar do menino não esquecerá jamais. No centro do salão, o piano Essenfelder. À beira dele, com um invariável magricelo a dedilhar Tristesse, de Chopin, parece vejo de novo, lencinho na mão, colo arfante, a anfitriã recitava.
Ao primeiro verso que vigoroso se projetava no salão, o silêncio era um desses silêncios tumulares e onde se ouvia o tilintar das taças de Sèvres nas cristaleiras. Também a voz entre o forte sotaque curitibano e a contribuição de um longínquo alemão trincava os cristais.
E era quase um bordão: “Recitarei, de minha própria lavra, mais uma ode em louvor de nossos augustos pinheiros!” E desatava: “Verde taça em copa flamante/dourada ao poente em chama/luzes assim poema em rama/mal caia o sol no horizonte”.
O menino deslumbrava-se. A noitinha, hoje velha de meio século, chegava, friolenta, curitibana. E o menino pobre, ainda mais fascinado, via acender-se, no salão do Batel, mágicos, os lustres de mil pingentes!
29|06|2008|O Estado do Paraná