Libertem as tetas

Na praia só pode espancar preto pobre; peito de fora não

No país das obscenidades, em que um podcaster defende a criação de um partido nazista, a imagem de uma mulher algemada pelos tornozelos não rendeu a revolta que deveria. O “crime” da produtora Beatriz Coelho: fazer topless numa praia em Vila Velha (ES). Acabou detida por “ato obsceno”, previsto no Código Penal, com pena de até um ano ou multa.

Mas fazer topless é ato obsceno? A lei não especifica, o que dá margem para que a avaliação dependa dos valores morais do policial que prende e do juiz que dá a sentença. Sabemos o final dessa história. Cubram suas tetas. Na praia, no Carnaval, na amamentação. Se pudessem, fariam como no Instagram, onde peitos nus e a hashtag “tetas” são banidos.

Na internet, como sabemos, pode disseminação de notícias falsas, discurso de ódio, linchamento virtual, assédio moral. Pode chamar mulher de vadia, vagabunda, piranha, puta, dizer que vai estuprar, matar. Peito de fora não pode, nem na internet, nem na praia. Na praia só pode espancar preto pobre.

Para que os seios expostos deixem de configurar possível infração e que as verdadeiras vítimas de uma sociedade machista não sejam fichadas como criminosas, é preciso que vire lei. O deputado estadual Carlos Minc (PSB-RJ) apresentou um projeto para que a exposição do torso em áreas públicas não seja mais considerada obscena.

Ingenuidade imaginar que a Assembleia do Rio ou de qualquer outro estado tenha coisas mais importantes para fazer do que lidar com a sanha da sociedade em oprimir o corpo feminino, considerado obsceno, mesmo que seja na praia.

No dicionário, obsceno é aquilo que agride, que ofende, que é indecente ou sujo. Tenho uma lista de coisas muito mais obscenas. Casamento na adolescência, violência obstétrica, feminicídio, estupro, assédio, aborto criminalizado, prostituição infantil. Indecente é gente ofendida com peito de fora nas praias.

Libertem as tetas. Na vida e na internet.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em Mariliz Pereira Jorge - Folha de São Paulo. Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.