Olhando feio para os jornalistas, Eduardo Pazuello soltou a frase com a habitual arrogância e maus bofes, como se estivesse num exercício de ordem unida com seus recrutas: “Ontem é passado, é para historiador. A partir de agora, só discuto o futuro”.
Ninguém esperava que, além de especialista em logística, o general que comanda o Ministério da Saúde fosse também historiador. Afinal, a História é uma ciência —e, como tal, deve ser negada. Se não existiu ditadura militar no Brasil, o que dizer das Guerras Médicas, no século 5º a.C., relatadas por Heródoto, o pai da História?
Pazuello não precisaria voltar tão longe no tempo. Bastaria ler o livro “A Bailarina da Morte”, de Lilia Schwarcz e Heloisa Starling. Nele, está descrita a disseminação da gripe espanhola no país, em 1918, e como a calamidade dizimou, no mínimo, 50 mil brasileiros. Na época, a população era de menos de 30 milhões de habitantes, dois terços dos quais se infectaram. Depois de 100 anos, meu general, o senhor deveria ter aprendido alguma coisa.
As dificuldades e os equívocos do passado —negação da ciência, curas milagrosas, aprofundamento das desigualdades sociais, descaso com os doentes— repetiram-se todos no presente, com maior gravidade. Pode-se dizer que os “erros” fizeram parte do próprio plano de governo no enfrentamento à Covid-19.
Para alguns, a realidade paralela, a historinha para gado dormir. Para a maioria, a História com H maiúsculo, cheia de medo, angústia e sofrimento, desenrolada diante de nossos olhos e narrada no calor da hora pela imprensa. É o material sobre o qual os historiadores irão se debruçar, contextualizando os atos criminosos que contribuíram para irradiar a pandemia.
O general Pazuello diz que, agora, só lhe interessa discutir o futuro. Não há o que discutir. As provas de sua condenação estão sendo produzidas no presente.