É isso mesmo? O fim do mundo? Bem na minha vez? Cinquenta mil anos para eu surgir como ser humano e fui cair justo na geração do Trump, do Putin, do Jair e da dancinha de TikTok? Sacanagem.
Eu não me importaria de ser caçador-coletor no século 170 a.C. Flanar peladão com meu bando, tomando banho de rio, chupando uns cajus, mascando uns Psilocybe cubensis. Ah, mas e o ar-condicionado? A penicilina? O Nike Air? Grandes coisas.
Sabia que a tribo de caçadores-coletores mais ferrada de que se tem notícia trabalhava, para garantir suas necessidades básicas, menos do que oito horas por dia? Viviam lá no deserto da Austrália, numa pindaíba desgraçada, mas não há nos anais da antropologia um único registro de burnout.
Eu nasci em 77. Tá, era ditadura, havia guerra fria, quente e as tragédias de sempre, mas tinha também uns Bobs Marleys e uns Johns Lennons por aí, prospectando possibilidades mais auspiciosas. Evito ser pessimista, mas não me parece que nada de bom virá da imersão intensiva de todos os habitantes do planeta em vídeos do Instagram em que balas Mentos fazem garrafas pet jorrarem Coca-Cola. Imagino os ETs do futuro: “Eles destruíram a atmosfera, as florestas e os mares para produzir energia para trabalhar de graça para o celular?!”. É.
O Bob Marley veio pro Brasil em 1980. Olha isso: teve um dia, em 1980, em que o Bob Marley jogou bola com o Chico Buarque, o Toquinho e outros chegados. Ou seja, teve uma semana, em 1980, em que a conversa nas esquinas foi essa –ainda havia conversas e esquinas, em 1980. Ontem, num grupo de WhatsApp, o debate era sobre as consequências de uma rachadura no casulo de concreto de Tchernóbil. Ó que delícia.
Não quero ser saudosista, mas diante do fim dos tempos vamos focar onde? Os quatro cavaleiros do apocalipse vieram mesmo, juntos e misturados: pandemia, aquecimento global, fome e essa brisinha amena de uma possível Terceira Guerra Mundial. Nunca tinha visto o presidente de um país ameaçar o mundo, ao vivo, com ogivas nucleares. Confesso que foi um tiquinho assustador. Hoje, meu filho de sete anos veio me contar que viu um míssil no céu. Gastei um bocado de saliva diante de um mapa-múndi para convencê-lo de que a guerra é bem longe da gente. (Evitei revelar que a gente faz coisas piores.)
Comparando o Jornal Nacional com o Apocalipse de São João, você pensa: rapaz! Não é que Deus acertou tudinho? Ainda não surgiram os gafanhotos do tamanho de “cavalos aparelhados”, com “rostos de homem”, “cabelos de mulheres” e “dentes como de leões”. Pelo andar da carruagem, contudo, não duvido que já tenha gafanhotão sinistro fazendo escova e luzes em algum hangar cósmico por aí.
Talvez seja Poliana da minha parte, mas cês não acham que teve alguns momentos nos últimos três ou quatro séculos em que a humanidade parecia ter alguma chance? Sei lá, esse lance de substituir o despotismo pela democracia, por exemplo, soava promissor. Agora, se eu entendi bem, o contrato social saiu de moda. Lei –não alguma lei específica, mas a ideia de haver lei– é uma “opinião” que não anda muito em alta. O velho e bom “se organizar direitinho, todo mundo transa”, que vinha sendo elaborado desde Hobbes, Locke e Rousseau, foi trocado pelo “não te estupro porque você não merece”. Aos olhos do Putin, a Ucrânia merece.
Basta de depressão ou nostalgia. Vou fechar essa crônica de forma equilibrada, com uma notícia boa e uma ruim. A ruim primeiro, para terminar por cima: o mundo tá acabando. Agora a boa: é que o mundo tá acabando, também.