Existe um poder acima do poder? A pergunta tem sido feita por muita gente, ao longo do tempo, sem uma resposta convincente. Faltam provas consistentes e o assunto logo passa a fazer parte da teoria da conspiração.
A minissérie em cinco capítulo “The Family – Democracia Ameaçada” (no original, “The Family: The Secret Fundamentalism at the Heart of American Power”), presente no atual cardápio de ofertas da Netflix, no entanto, se propõe a responder a dúvida e esclarecer a questão. Trata-se de um documentário que mistura filmagens de reconstituição com os depoimentos de pessoas da vida real. Do elenco principal, pelo menos um nome é publicamente conhecido: Jeff Sharlet, Doug Coe, Donald Trump e Jesse Moss.
Inspirada em dois livros de Jeff Sharlet, que é também o principal narrador da denúncia, a minissérie revela a existência de uma organização cristã fundamentalista secreta, que opera nos bastidores do poder em Washington e se compõe de figurões da política e vida administrativa norte-americanas (sejam republicanos ou democratas). Agindo em nome de Jesus, tem por objetivo a manutenção do poder e a sua expansão mundo afora. Para tanto, têm um único mandamento: “Jesus plus nothing” (ou “Jesus e nada mais”). São pessoas “invisíveis”, que detestam a notoriedade, mas estão sempre presentes com seus ensinamentos doutrinários. E, embora a religião seja o elo entre a ação desenvolvida e o objetivo pretendido, desprezam os ditames bíblicos, extraindo do livro sagrado apenas a parte que lhes interessa. Jesus é a figura central de todo o trabalho, mas com a nova roupagem que lhe foi dada. Ele não esteve aqui para pregar o amor aos pobres e desvalidos, mas aos poderosos, que devem conduzir a patuleia.
Liderado, até bem pouco, por Doug Coe, “o homem mais poderoso de Washington, do qual jamais se ouviu falar”, o grupo existe há décadas e priva da intimidade de todos os ocupantes da Casa Branca, desde Eisenhower, passando pelos democratas Kennedy, Carter, Clinton e Obama. Hoje, é unha e carne com Donald Trump. Todos foram ou são presença obrigatória no National Player Breakfast, tradicional reunião anual, para a qual ser convidado é um privilégio como poucos.
O viés ideológico, aparentemente acima do político, realça os valores morais e cristãos, procurando higienizá-los e cuidando de estendê-los além das fronteiras norte-americanas. Vladimir Putin, da Rússia, já teria sido cooptado, assim como algumas lideranças da África, da Índia e de países árabes.
Segundo o próprio denunciante, Jeff Sharlet, “ou este é o grupo mais ingênuo do qual já ouvi falar ou é o maior cínico de todos”.
Se o leitor ainda não assistiu à série deve fazê-lo e tirar as suas próprias conclusões. Talvez aí até entenda um pouco mais a conduta do desatinado Jair Messias Bolsonaro, a quem boa parte dos brasileiros deu a presidência do Brasil. Se fosse membro da “Família”, ele se sentiria em casa.