Horas dentro de um tubo de ensaio, ouvindo um mix de obra de shopping com balada techno
No carro, fui me convencendo de que o exame não duraria mais do que 30 minutos. Dez para a cervical, dez para o ombro e dez para a escápula. Meia hora passa voando. Meia hora é menos do que aquela ponte aérea com chuva de granizo que fez o avião arremeter chegando a São Paulo. Meia hora é menos do que aquela vez que a anestesia não pegou e o dentista continuou serrando meu osso para arrancar o siso lá de dentro. Meia hora é menos do que fiquei na casa do Edu, o pior sexo da minha vida. Meia hora dá para aturar.
O médico já tinha avisado que cada uma das três ressonâncias demandaria bastante tempo, mas eu não quis acreditar. Ninguém faria um ser humano ficar horas dentro de um tubo escuro, apertado e com apitos ensurdecedores na orelha.
Você tem tatuagem? Tenho. Você tem alguma maquiagem definitiva? Tenho. Você tem alguma cicatriz de cirurgia? Tenho. Você tem piercing? Tenho. Você tem claustrofobia? Tenho. Ok, podemos começar o exame. Não, espera, o que significa ter tudo isso? Nada, senhora. Como assim nada? Tá tudo bem, senhora.
Tudo bem não estava. Eu queria poder ler, brincar com a minha filha, trabalhar, fazer exercícios, andar e dormir sem sentir tanta dor. Minhas costas doem ininterruptamente há mais de 15 anos. E doem tanto que eu estava prestes a ficar horas dentro de um tubo de ensaio, ouvindo um mix de obra de shopping com balada techno, para tentar obter alguma nova pista do que fazer.
Na sala, muitos quadros com fotos de palmeiras verdinhas e ensolaradas. Colocaram uma campainha na minha mão: “Qualquer coisa é só apertar”. Colocaram um fone com música clássica nos meus ouvidos: “Se quiser outro estilo, é só falar”. Colocaram uma manta bem quentinha nas minhas pernas: “Se continuar frio, a gente coloca outra”. Na última vez que me trataram tão bem, eu entrei num casamento e nele estou há sete anos. Isso só podia ser sinal de que o exame demoraria muito.
Pobre do Vivaldi, que nem no volume máximo das Quatro Estações foi páreo para a britadeira tecnológica. Pobre de mim, que, contrariando o conselho de amigos, resolvi abrir os olhos e vi que o “teto”, de fato, estava a dois centímetros do meu nariz. Parece um caixão essa porra. Cacete, essa porra parece um caixão. Seria a minha cremação? Me velaram por horas, choraram, lamentaram “ela estava no auge da vida”, e eu estava apenas desacordada? Teria eu abusado do Dramin? Das cinco opções de música disponíveis no crematório, meteram um Vivaldi porque é quase animadinho e dá uma esperança para os que ficam? Estou sentindo esquentar.
Pensei em gritar: “Para tudo, eu não morri!”, mas me lembrei da campainha na minha mão. Eu estava fazendo ressonância! Era isso! Entendi finalmente para o que servia aquela campainha. Não é para você apertar, parar o exame no meio e pagar de descontrolado na frente de vários médicos; é apenas para lhe recordar que ninguém daria uma campainha a um morto.
Vamos para as listas. Sim! Elas sempre me acalmam. As dez piores crises de pânico que já tive na vida. Não. As dez vezes em que achei que ia morrer, e não era nada. Não. As dez vezes em que meu coração batia tão forte que eu achei que ia enfartar, mas passou. Não. As cem listas horríveis para não se pensar dentro de uma ressonância magnética de duas horas. Sim. Aos poucos, a luz, os quadros de palmeiras verdinhas e ensolaradas, a cara redonda da médica. Sento, me alongo e, profundamente feliz e emocionada, sinto uma dor insuportável nas costas.