Entrou em estado vegetativo terminal o presidente da República que nem piscou para a despedida da mulher-raiz da alma nacional, Elza Soares. Ela, ao contrário, deixa uma teimosa sinfonia de permanecer viva para sempre ” (jornalista Dorrit Harazim, hoje no Globo).
Nos últimos dias, como se tivessem combinado, Bolsonaro, Moro, Ciro e Doria, os adversários que ainda disputam uma vaga no segundo turno, voltaram suas baterias para o mesmo alvo: o ex-presidente Lula.
Todos deram-se conta, talvez tardiamente, depois de ler as primeiras pesquisas deste ano, que existe a possibilidade real de nem haver segundo turno em 2022.
Em nenhuma das suas outras cinco campanhas presidenciais anteriores, o petista entrou no ano eleitoral com tal vantagem, a maioria absoluta dos votos válidos.
Na nota “Alvo Vermelho”, que abre a coluna Painel deste domingo na Folha, informa-se que “o governador João Doria (PSDB) definiu como estratégia de campanha, ao menos no início, centrar artilharia em Lula (PT). E explica: “A avaliação é que é preciso iniciar de imediato o processo de desconstrução do petista, que reina nas pesquisas e pode até ganhar no primeiro turno”.
Último a entrar na corrida eleitoral. Doria já quere sentar na janelinha.
Os estrategistas das outras campanhas devem ter feito a mesma conta. Logo ao lado da coluna, em ampla reportagem, fica-se sabendo que “Bolsonaro investe em comparações com Dilma para desgastar Lula”.
Foi a forma de evitar comparações diretas com as gestões do ex-presidente, nas quais Bolsonaro leva uma goleada em todos os dados sociais e econômicos que possam ser analisados. Seria até covardia, mas este será o mote central da campanha de Lula, o que o capitão quer a todo custo evitar.
Em todas as pesquisas do Datafolha, Lula, que deixou o governo com mais de 80% de aprovação, é considerado o melhor presidente da história do Brasil e, Bolsonaro, o pior.
Como desta vez o adversário é Lula, e não Dilma nem Haddad, que o substituiu em 2018, Bolsonaro vai assestar suas baterias novamente contra o PT, acenando com o “perigo vermelho” e requentando antigas denúncias já enterradas pela Justiça.
No lançamento da sua quarta candidatura na sexta-feira, Ciro Gomes acionou sua metralhadora giratória contra todo mundo, mas o alvo principal também foi Lula,
Moro também resolveu ir na mesma direção, fazendo uma campanha reativa para responder às críticas do PT pelo Twitter, onde ironizou artigo publicado pela Folha por ex-secretários do Ministério da Justiça em governos do PT, no qual atacam propostas do ex-juiz para reformar o Judiciário.
“Bom foi o Ministério da Justiça durante o governo do PT. Corrupção se espalhou, assassinatos explodiram, crime organizado cresceu”, tuitou naquele seu estilo curto e grosso, o máximo que seu pobre vocabulário permite.
Quem mais uma vez resolveu dar uma força para esta ofensiva do “todos contra Lula”, foi o Estadão, agora Estadinho, sob nova direção editorial,
Com o título “O mal que Lula faz à democracia”, o jornal publicou um editorial que fez lembrar aquela da véspera da última eleição, sobre a “difícil escolha” entre o professor Haddad e o capitão Bolsonaro.
Inconformado com as pesquisas, o editorialista escreve que “as sondagens de intenção de voto mostram que parte do eleitorado está se esquecendo de quem é Lula. Convém recordar o que o PT fez em sua passagem pelo poder”.
Como assim? Na verdade, não é “parte do eleitorado”, mas a ampla maioria, e não deve ter em todo o território nacional um desavisado “se esquecendo de quem é Lula”, que está há 50 anos na vida pública, criou um partido e venceu duas eleições presidenciais.
O problema é que, ao contrário do que escreve o editorialista, o povo se lembra muito bem do que “o PT fez em sua passagem pelo poder”. E, por isso mesmo, Lula tem essa ampla vantagem nas pesquisas e pode até vencer já no primeiro turno.
“Nascidos para perder” é o título de um pequeno livro sobre a história do antigo Estadão, de Palmério Doria Vasconcelos e Milton Severiano da Silva, que conta como o jornal esteve sempre do lado errado da história. Vale a pena procurar nos sebos eletrônicos. Se a eleição fosse uma briga de galos, basta ver qual o Estadão está apoiando, e apostar no outro. Não tem erro.
Pena que Bolsonaro não lê jornais. Ele teria neste editorial um perfeito roteiro para perder a reeleição, se é que para isso ele precise ainda de alguma ajuda.