Um ano de dor e um adeus a Valmor

Esta coluna deveria ter sido publicada na quinta 31/12. Por isso, o texto sai como originalmente escrito:

Nesta quinta-feira, termina, enfim, o ano que não existiu. Isto é, existiu repleto de tristeza, dor, angústia, solidão e medo. Uma pandemia, desprezada pelo incompetente e irresponsável governo federal, ceifou a vida de mais de 190 mil brasileiros. E nada indica que não continuará a ceifar no decorrer de 2021. Enquanto os governantes se engalfinham numa estúpida disputa de piá pançudo, sem tomar nenhuma providência efetiva em busca da vacina que ao menos nos traga alguma esperança, o vírus avança, revigora-se, rejuvenesce, transmuta-se e continua contabilizando vítimas. E enquanto o mundo civilizados, como os EUA, Inglaterra, Alemanha, Espanha, Itália, França e até os nossos vizinhos chilenos e argentinos, já começaram a usar a vacina, o ínclito Messias de Brasília aguarda que os laboratórios lhe ofereçam os seus produtos… Quando oferecerem, irá barganhar. Enquanto isso…

Todos nós perdemos alguém em 2020 – parente, amigo ou conhecido –, para o coronavírus, lares se cobriram de luto e a comoção é geral. Só não se sensibiliza e chora quem não tem um pingo de sentimento. Ou segue a cartilha do desqualificado inquilino do Palácio do Planalto, patrono-mor do morticínio.

Pessoalmente, perdi muita gente que admirava. Só no setor artístico, foram Aldir Blanc, Nicette Bruno, Daise Lúcidi, Genésio Amadeu, Eduardo Galvão e, no México, o notável Armando Manzanero… De Curitiba, partiu Valmor Weiss, ex-parceiro da velha Última Hora e um bravo lutador

Valmorzinho (assim conhecido para diferenciar-se do Walmorzão, o Marcellino) era sargento do Exército e vice-presidente da Associação dos Sargentos e Subtenentes quando atuou na UH. Fazia uma coluna diária de efemérides, destacando aniversários e datas importantes para o pessoal da farda. Alegre e cordial, como bom catarinense de Rio do Sul., era uma figura querida por todos. Quando a ditadura de 64 instalou-se no país, Valmor foi um dos primeiros atingidos. Taxado de comunista – afirmaram que as datas citadas por ele no jornal eram indicações cifradas de reuniões subversivas –, foi preso e torturado sem dó nem piedade. Sabe-se que ele resistiu bravamente, mas sofreu muito. Outro colega jornalista, o saudoso companheiro Milton Ivan Heller, conta a história de Weiss em “O Prisioneiro da Cela 310”, lançado em 2011.

Quando deixou a prisão, Valmorzinho era o que se pode dizer um trapo humano. Aos 29 anos, sem prumo e sem rumo, tentou ser merceeiro. Tinha 34 cruzeiros no bolso, comprou uma caixa de laranjas, uma de maçãs, cheiro verde, alface e muita banana… No primeiro dia de atividade da mercearia, ele transformou os 34 cruzeiros em 48 cruzeiros e ainda sobrou mercadoria para o dia seguinte. Entusiasmado, tomou emprestada do ex-colega de Última Hora, Alenir Dutra, uma Kombi velha e passou a revender legumes e verduras buscados no Ceasa. E logo se tornaria um dos maiores empresários do transporte de valores no Brasil, com o uso, inclusive, de avião e aéro-táxi. Foi mais: piloto de corrida, vice-presidente da FPrA (Federação Paranaense de Automobilismo), vice-presidentes da CBA (Confederação Brasileira de Automobilismo) e conselheiro do BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul). Não devolveu nem pagou a Kombi para o Dutra, mas foi o único “comunista” que se vingou do capitalismo enriquecendo.

Tinha garra o baixinho Valmor Weiss e, ao sair de cena, deixa muita saudade. Segue em paz, velho “Animal”. Shalom!

P.S. – Que o ano não acabe sem o registro de um profundo e comovido agradecimento aos profissionais da saúde deste país, os grandes heróis deste ano trágico. Médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, nutrólogos, auxiliares de UTIs, condutores de ambulâncias, faxineiras e demais resistentes trabalhadores que, enfrentado todo tipo de dificuldade, deixaram as suas vidas – alguns, perdendo-as – para cuidar da vida dos outros.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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