Um ano trágico e as contas de chegar

Na política, o ano de 2023 foi marcado por dois acontecimentos, aqui e lá fora: o 8 de janeiro em Brasília e o 7 de outubro em Israel. Ambos implicam consequências e não acabam em dezembro, como tantos procedimentos regulares do ano. Mas na economia, embora sem a grande repercussão dos fatos políticos, votou-se a reforma tributária, outro fato que vai transcender ao ano de 2023, inclusive porque só para regulamentá-la o Congresso dedicará grande parte de 2024.

Os observadores coincidem sobre o fato de que a reforma tributária vai alavancar a economia, favorecendo um processo de crescimento. Embora não tenha sido uma reforma ideal, a verdade é que essa é uma avaliação unânime.

Uma vez liberados obstáculos para a economia crescer, a grande pergunta é: crescer para onde? O objetivo é apenas um crescimento quantitativo ou é necessário responder aos desafios da época? Nessa reposta está incluída a transição energética. Ela está contida em planos do governo, é o tema central das intervenções de Haddad no exterior, mas ainda um pouco desconhecida. Tenho a impressão de que o governo não se preparou ainda para divulgá-la e a própria imprensa não se preparou, com editorial especial, para cobri-la.

A transição energética, uma das mais gigantescas tarefas das mudanças climáticas, deveria ser um objetivo nacional, atraindo o maior número possível de apoio popular, uma vez que não é um fenômeno que acontece nas alturas, mas vai afetar também o nosso cotidiano.

Um exemplo bem simples: a regulamentação sobre geladeiras muda no ano que vem. O objetivo é de torná-las mais econômicas em termos de energia. As empresas reagem à nova regulamentação afirmando que os preços vão subir. É provável que subam mesmo. Mas seria um grande avanço se o debate se desse em torno do quadro geral que pudesse mostrar que a redução de emissões, em termos estratégicos, é mais econômica que os efeitos catastróficos das mudanças climáticas.

Organismos internacionais estão pronto para financiar a adaptação aos novos tempos. Possivelmente, São Paulo será o destinatário da parte substancial dessa ajuda. De novo, grandes projetos de adaptação demandam mudanças de hábitos, inclusive a própria preparação popular para eventos extremos. Na verdade, grande parte do Caribe, constantemente fustigado por furacões, já está preparada para enfrentar tempestades, inclusive com cartilhas que indicam o papel de cada um.

O grosso do trabalho do governo no Congresso foi dedicado a financiar seus gastos. Dentro de alguns limites, Haddad conseguiu aprovar novas fontes de financiamento e tornou possível, ao menos em tese, a possibilidade do déficit zero. O conjunto de vitórias, é claro, foi conseguido a partir de concessões no texto dos projetos e também na concessão de emendas e cargos. É o habitual do Congresso.

Não foi um ano invicto. A desoneração da folha de pagamentos das empresas foi prolongada. É o tipo de decisão que envolveu Congresso, empresários e sindicatos. O governo ficou isolado e perdeu com a queda do veto de Lula.

A dimensão do balanço econômico não se limita à economia. Há uma discussão política interna sobre déficit zero. Grande parte dos aliados de Haddad não aceita a proposta pois acha que, sobretudo num ano eleitoral, é preciso gastar sem considerar tanto o equilíbrio das contas.

Não há ideia, ainda, do que seria feito com o dinheiro para abrir o caminho das urnas. Se for para atingir eleitores em 2024, teria de ser algo rápido, quase fulminante, algo incompatível com obras de longo alcance. A verdade é que, entrando ligeiramente na seara política, é possível afirmar que o dinheiro mesmo para as eleições será cavado no Orçamento. Tudo indica que serão destinados R$ 5 bilhões para as eleições municipais. O mesmo valor gasto nas eleições presidenciais.

É muito dinheiro. As eleições brasileiras sempre foram muito caras, mesmo quando financiadas pela iniciativa privada. Há dinheiro de sobra e isso foi muito negativo para o processo político, já que a falta de imaginação não foi sentida. Houvesse capacidade de criar, as campanhas seriam muito mais baratas.

Os dois grandes fatos políticos do ano não cabem num artigo. O 8 de Janeiro representou prisões e condenações de até 17 anos de prisão para os invasores. Mas, até agora, ficou nisso. Foram punidas com grande severidade pessoas que, em caso de golpe de Estado, continuariam anônimas e sem poder, como antes. A corda rompeu pesadamente para o lado mais fraco.

O 7 de outubro não parou no horror do ataque do Hamas. Ele se desdobrou numa invasão da Faixa de Gaza por Israel, que bombardeou a região, inclusive sem alvos definidos. Crianças, mulheres e velhos são a maioria entre os 18 mil mortos contabilizados pelas autoridades de saúde palestinas. Especialistas militares acham que é muito mais. Escolas, estrutura sanitária, equipamentos de saúde e dessalinização, tudo está sendo destruído de forma que a vida em Gaza será impossível para os sobreviventes.

Esta guerra foi a que capturou nossas emoções. Há outras: a já antiga guerra na Ucrânia, a no Iêmen, em Burkina Fasso, Sudão, Etiópia. Estas não aparecem na cena porque talvez não suportaríamos ver o mundo na sua crise completa.

Considerando a tragédia global, o Brasil se deu bem, apenas fazendo contas para o ano que começa.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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